Durante os primeiros anos da República Velha a repressão tinha endereço certo: os trabalhadores livres, os imigrantes e o anarquismo nascente. As organizações policiais exerciam rígido controle sobre os indivíduos que não obtinham colocação no mercado de trabalho. O Código Penal de 1890 tinha igualmente por principal alvo os menores delinquentes, os inválidos (mendigos e insanos) e os vadios. É significativo que logo após a constituição do novo regime de governo, o republicano, substituindo o regime monárquico, o código penal foi a primeira lei ordinária.
História e Memória

Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
No início do século XIX, uma viagem do Rio de Janeiro até a vila de Nova Friburgo se efetuava em três longos dias. Com o advento da estrada de ferro passou a ser feita em cinco horas o mesmo trajeto. Na história do município uma data memorável era celebrada entusiasticamente: o dia três de janeiro, dia em que o povo “friburguense” erguia os mais festivos hinos e saudações patrióticas. Era a data da criação da Freguezia de São João Batista, elevada à categoria de vila por alvará de 3 de janeiro de 1820.
Com a vinda da família real portuguesa e toda a sua corte em 1808 para o Brasil, vários acontecimentos históricos se seguiram a esse episódio. Antes disso, o país estava fechado aos homens livres que não fossem portugueses a imigrar para o Brasil, salvo raríssimas exceções, como o caso de famílias britânicas, mas ainda assim com certa limitação. D. João VI resolveu estabelecer no Brasil colônias de estrangeiros pagando-lhes a passagem e dando-lhes um “trato de terra”.
Vitor Hugo escreveu em os Miseráveis: “L’erreur est humain; le flâneur est parisien”. Para alguns autores, o flâner é apenas uma glosa literária, um tipo ideal muito lógico encontrado mais no discurso do que na vida cotidiana. No entanto, há registros de que diversos homens da elite do século XIX assumiram o pathos do flâner, tipo social que recebeu apologia na obra de Baudelaire. O poeta mergulhou nas ruas de Paris, em busca de experiências que pudessem ser agregadas à sua poesia.
Conhecidos como alegres e emotivos, de sotaque cantante, eram vistos como laboriosos lançando-se à faina da lavoura, da carpintaria, educação, artes, comércio e indústria. Eram os imigrantes italianos que começaram a chegar a Nova Friburgo no final do século XIX. A celebração do dia “20 de Setembro”, em comemoração a unificação da Itália em 1870, era um acontecimento muito mais festejado em Nova Friburgo do que a recente proclamação da República. Nesse período, havia a Societá Mutuo Socorso, com a presidência de Maggiorino Massa, agente consular na cidade.
Mexendo minhas garatujas vou procurando reunir depoimentos para resgatar a memória de Nova Friburgo e compor um quadro do cotidiano da cidade. Em 1986, João Bizzotto, nascido em 1904, descendente de italianos que chegaram a Nova Friburgo no final do Século XIX, concedeu entrevista ao jornal Correio Friburguense recordando sua juventude e o tempo de seu pai. O interessante é que conseguimos resgatar uma memória que remonta ao século retrasado. O pai de João Bizzotto trabalhara para o segundo de Barão de Nova Friburgo.
A falência da imigração suíça em Nova Friburgo não foi uma exceção ou um fato isolado. O sistema de núcleos coloniais adotados por D. João VI foi, de um modo geral, um insucesso. Fundados em várias regiões do país foram instalados longe dos mercados, o que provocou a dispersão dos colonos. Uns migraram para as zonas urbanas e outros permaneceram nas zonas rurais, vivendo mediocremente, em nível comparável ao do caboclo. Os latifundiários desejosos de obter braços que viessem substituir os negros não apoiavam a política colonizadora.
Carlos Eboli é nome de rua em Nova Friburgo, e só. No entanto, se formos observar o legado que deixou no município, mereceria um preito maior. Natural de Nápolis, Carlos Eboli nasceu em 1832 e formou-se em medicina pela Faculdade de Paris, em 1856, chegando ao Brasil na segunda metade do século XIX. Médico higienista, era membro correspondente da Imperial Academia de Medicina. Provavelmente pela fama da salubridade de seu clima, escolheu Nova Friburgo para um projeto de vida: a construção do Instituto Sanitário Hidroterápico.
Conforme escrevemos na semana passada, o médico Carlos Eboli construiu em Nova Friburgo o maior estabelecimento hidroterápico da América Latina. No complexo havia enormes piscinas com mecanismos que formavam ondas, duchas “em chuva e jatos”, duchas ascendentes e circulares, duchas filiformes e pulverulentas, duchas elétricas, temperadas e frias, escocesas, termominerais, banhos russos e turcos. Anexo ao estabelecimento hidroterápico havia o Hotel Central, que hospedava os que buscavam a cura na hidroterapia, onde atualmente funciona o C.N.S. das Dores.
Os gregos da Antiguidade fizeram da memória uma deusa: Mnemosine. A memória é a presença do passado. A memória é uma construção psíquica que acarreta uma representação seletiva do passado que não é somente do indivíduo, mas do grupo social em que está inserido.
Esta matéria é baseada nas memórias de Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d’Oro, que viveu em Nova Friburgo no início do século passado.