De Fribourg para Nova Friburgo

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A falência da imigração suíça em Nova Friburgo não foi uma exceção ou um fato isolado. O sistema de núcleos coloniais adotados por D. João VI foi, de um modo geral, um insucesso. Fundados em várias regiões do país foram instalados longe dos mercados, o que provocou a dispersão dos colonos. Uns migraram para as zonas urbanas e outros permaneceram nas zonas rurais, vivendo mediocremente, em nível comparável ao do caboclo. Os latifundiários desejosos de obter braços que viessem substituir os negros não apoiavam a política colonizadora. De um lado, o governo visava intensificar a imigração de povoamento, possibilitando ao colono acesso à terra, único sistema capaz de atrair imigrantes. Por outro lado, os cafeicultores desejavam braços para as suas lavouras. No princípio do século XIX, a Coroa Portuguesa elabora uma política de colonização de povoamento estrangeira no Brasil. A intensa pressão britânica para o fim da escravidão no Brasil, associada a um grande fluxo migratório europeu para a América, foram fatores que também contribuíram para o projeto de colonização estrangeira. A instituição de núcleos coloniais de povoamento em diversas regiões do país, no reinado de D. João VI, foi uma estratégia que tinha por escopo um novo modelo econômico que não mais se basearia no latifúndio e no trabalho escravo. Objetivava-se que a colonização de territórios inabitados deveria ser feita por colonos estrangeiros, tendo em vista que já possuíam capacidade técnica para a manufatura e tradição na agricultura. Poder-se-ia arguir ainda a necessidade da produção de gêneros alimentícios no Brasil, já que a monocultura inviabilizava esse tipo de produção, além de uma política de “branqueamento” da população. Logo, os núcleos coloniais teriam uma estrutura agrária baseada na pequena propriedade, na produção da lavoura branca com a utilização da mão de obra livre. Alguns projetos de lei, que não foram aprovados, estipulavam a condição de serem as terras roteadas por braços livres, não se admitindo escravos nos núcleos coloniais. O paradoxo foi que colonos suíços e alemães em Nova Friburgo, assim que a condição financeira lhes permitiu, passaram a possuir escravos.

Martin Nicoulin em “A Gênese de Nova Friburgo. Emigração e Colonização Suíça no Brasil. 1817-1827”, informa-nos que o suíço Sébastian Nicolas Gachet, originário de Fribourg, foi o agente encarregado por D. João VI de cooptar colonos suíços. Foram firmadas as condições de 11 de maio de 1818 que estabelecia, entre outras coisas, que cada colono tornar-se-ia proprietário de uma data de terra, gozaria privilégios militares e fiscais durante dez anos e subsídios nos dois primeiros anos. Era igualmente interesse do governo suíço estimular a emigração para livrar-se dos apátridas, denominados de heimatlosen, assim considerados por não pertencerem originariamente aos Cantões da Confederação Helvética. Para incentivar a imigração para o Brasil, muitos criminosos tiveram a pena de detenção comutada em degredo, sendo que essa circunstância levaria Monsenhor Miranda, Inspetor da Colonização Estrangeira, a acusar os Cantões de terem formado a colônia com forte proporção de vagabundos, condenados e prostitutas. A maioria das famílias trazia a observação de carência financeira.

Fora designada a região serrana de Cantagalo, na província do Rio de Janeiro, para abrigar o primeiro núcleo de colonos estrangeiros. A salubridade do clima daquela região, semelhante ao do torrão natal dos suíços, foi um fator determinante para a escolha da instalação dos colonos. Não obstante ter sido estabelecido o limite de cem famílias, que daria aproximadamente 800 pessoas, imigraram para o Brasil 2.018 indivíduos. Considerando óbitos e nascimentos ocorridos durante todo o trajeto, a colonização iniciou-se com 1.631 suíços, o dobro ainda do estipulado, daí a criação das “famílias artificiais” para adequar-se a distribuição das datas de terras.

Um édito de 3 de janeiro de 1820 criou o termo de Nova Friburgo, ficando desde então desmembrada de Cantagalo. A denominação do termo deve-se ao fato de a maioria dos colonos suíços serem originários do Cantão de Fribourg. Na região, já havia fazendeiros luso-brasileiros, que demonstraram satisfação com a instalação do Núcleo dos Colonos, visto que a localidade foi erigida ao status de termo, com pelouros de justiça. Com os juízes ordinários na Câmara Municipal ocupando-se das questões judiciais terminava o transtorno de recorrer a outras jurisdições, com grande dispêndio aos fazendeiros locais. Realizada a distribuição das datas de terra, por sorteio, entre as famílias artificiais, verificou-se que algumas dessas áreas encontravam-se em encostas e picos muito escarpados, absolutamente improdutivos. A desigualdade na distribuição das terras, algumas de todo incultiváveis, fez com que somente uma minoria de colonos permanecesse na circunscrição do núcleo. Os colonos que receberam terras úberes plantaram milho, feijão, batata, vinhas e trigo. No entanto, de acordo com Nicoulin, em 1821, Nova Friburgo vegetava e havia uma verdadeira letargia na colônia. Uma comissão foi designada para ir à Corte pedir ao rei melhores terras e aumento do subsídio, mas o clima político do país não era alentador e culmina com a partida de D. João VI para Portugal.

O Príncipe Regente, D. Pedro I, retomou o processo de colonização de Nova Friburgo, disponibilizando novas terras em Macaé de Cima, atual distrito de Nova Friburgo. É curioso que algumas terras foram adquiridas pelos suíços, por compra, de escravos quilombolas. Mas essa medida não evitou a dispersão de alguns suíços que migraram para outras freguesias de Cantagalo, hoje municípios de Bom Jardim, São Sebastião do Alto, etc. Dedicando-se à plantação do café, os que migraram para outras regiões tornaram-se prósperos fazendeiros. A população em Nova Friburgo, de 1.662 suíços em 1820, ficará reduzida a 632 em 1830. Em 1824, um contingente de 343 colonos alemães, que deveria se dirigir para uma colônia na Bahia, foi desviado para a vila de Nova Friburgo para ocupar as terras abandonadas pelos suíços e fomentar a colônia. No entanto, em 1831, extingue-se o regime de colônia e a Câmara Municipal assume inteiramente a administração do termo. A dispersão dos colonos para outras regiões foi caracterizada como falência do projeto de colonização suíça. Essa diáspora provocou o esmaecimento da herança cultural dos suíços em Nova Friburgo, que foram gradativamente sendo aculturados. E por que o projeto de colonização teria fracassado? De acordo com os discursos da época, os suíços, ainda que dedicando-se com afinco ao amanho da terra, dificilmente progrediriam em razão de ter sido instalados e segregados nos sertões, com dificuldades de chegar aos mercados para vender seus produtos.

Nova Friburgo, conhecida pela salubridade do seu clima, passa a ser procurada pelos que buscavam a cura da tuberculose. No último quartel do século XIX, igualmente, torna-se o refúgio dos cariocas que fugiam das epidemias de febre amarela que grassavam no Rio de Janeiro. O enlace entre Nova Friburgo e Fribourg, restabelecido e estreitado na década de setenta do século XX, pode ser creditado ao historiador Martin Nicoulin, em virtude de sua pesquisa e obra sobre a colonização suíça em Nova Friburgo. A parceria entre essas duas cidades irmãs, entre fribourgeois e friburguenses, culminou com a criação da Queijaria-Escola, de uma Chocolateria e notadamente de um Museu, preservando a memória dos colonos suíços. Em 9 de abril de 1974, em sessão na Câmara Municipal de Nova Friburgo, após receber o título de cidadão honorário, Martin Nicoulin assim expressou: “Passarei minha vida a unir as duas cidades.”

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”.

historianovafriburgo@gmail.com

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.