Nova Friburgo na década de 20: cotidiano e memória

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Os gregos da Antiguidade fizeram da memória uma deusa: Mnemosine. A memória é a presença do passado. A memória é uma construção psíquica que acarreta uma representação seletiva do passado que não é somente do indivíduo, mas do grupo social em que está inserido.

Esta matéria é baseada nas memórias de Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d’Oro, que viveu em Nova Friburgo no início do século passado.

Nova Friburgo, na década de 20 do século XX, transitava entre a ruralidade e a urbanidade. Muitas residências no centro da cidade ainda possuíam extensos quintais com hortas e pomar de frutas cujas casas eram divididas por cercas de bambu. Havia um pé de “marianeira”, daquela que não se podia comer as frutas “porque dá caganeira”, dizia-se à época. Quase todos possuíam uma pequena criação de aves e galo brigão no galinheiro virava canja! Os jardins das casas sempre foram destaque nos relatos dos que visitaram Nova Friburgo naquela época, geralmente possuindo caramanchão de rosas chás, além de dois tipos de flores muito próprias da cidade: os cravos vermelhos e as camélias brancas. Um tempo de crianças brincando nas ruas, ainda não pavimentadas, onde sapos cruzavam para lá e para cá virando objeto de brincadeira da meninada. Era costume as crianças brincarem ainda após o jantar e um dos jogos preferidos era o “31 de janeiro”. Era uma brincadeira em que todos se escondiam enquanto um ficava martelando o poste com uma pedra, enquanto contava os números; quando o “31 de janeiro” era anunciado, era hora de sair correndo para procurar os outros, e o primeiro a ser encontrado tomava o lugar de “calendário vivo”. Ao cair da tarde, estendiam um acolchoado do lado de fora da casa e ficavam olhando para cima, vendo as nuvens passarem, apreciando o lindo céu da montanha. Era comum as excursões pelo morro das Braunes para apanhar morangos e framboesas. Ainda com relação às crianças, sentava-se à mesa e comia-se o que tinha, sem essa de hoje em que a criança diz “não como isto ou aquilo”. Sopa de marmelo era muito consumida e utilizada pelas mães econômicas, pois deixava todo mundo alimentado.

Havia igualmente o dia da bênção dos animais de estimação. Todo mundo levava seus bichinhos para serem benzidos na igreja e era um desfile encantador ver as crianças com seus animaizinhos no colo aguardando a bênção do padre. Na igreja Matriz, os dobrados do sino no campanário pelos finados e enterros aterrorizavam as crianças. Naquele tempo, os mortos iniciavam seu rito de passagem com missa na Igreja para que fossem “encomendados” e depois seguiam para o cemitério. O sino não parava de dobrar enquanto estivessem dentro da igreja.

Muitas donas de casa bordavam “para fora”. Bordava-se lingerie para noivas, como lindos ramos de pessegueiro num negliglè de palha de seda creme, guarnecido com renda francesa da mesma cor. Em Nova Friburgo, naquele tempo, fazia muito frio. A temperatura chegava a um grau pela manhã e “casado de caracu” ajudava a enfrentar a friagem. Mesmo assim as meninas desfilavam com vestidinhos de tafetá e organdi para tomar sorvete em taças na Confeitaria Balga. Era um luxo! As mesas com tampo de mármore e o sorvete de abacaxi servido em colherzinha de prata. A última novidade da época era o “sorvete rolete”, anterior ao picolé, sem cabinhos, acondicionados em caixas de madeira com gelo e apregoados por moleques empregados por D. Dulce Braune. Pareciam gomos de cana e eram uma delícia.

Vivia na cidade a Viscondessa de Pointu, “nobreza de Friburgo”, descendentes de nobres franceses, muito fina e educada. Ensinava voluntariamente francês a algumas meninas. Havia igualmente o “curso de ginástica” no morro das Braunes, numa casinha simples de D. Dulce Braunes em um lindo ambiente perfumado de flores silvestres onde se ouvia o barulho das águas da cascata do quintal.

Era um tempo sem pressa, onde os acontecimentos transcorriam lentos e extremamente marcantes se perpetuando na memória de Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d’Oro (1922-2007).

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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