— Eu quero saber é quanto custou. Mais do que isso, eu quero saber quem vai pagar: você ou ela?
— Você precisa entender é que coisa boa não pode ser barata. Olha sua roupa. Não fui eu que comprei isso.
— Eu é que não fui. Há mais de 40 anos não gasto meu dinheiro com roupa e calçado. Pra falar a verdade, numa viagem, o sapato estava me machucando e eu comprei uma sandália. A sandália continuou me machucando com a mesma crueldade. Nunca mais gastei dinheiro com supérfluos.
Escrevivendo
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Eu não colei, só dei uma conferida na prova da Marilda
— Tião, qual a resposta da 3?
— Já te falei pra não me chamar de Tião.
— Tá bom! Tá bom, Sebástian! E a resposta?
— Manera aí, que o professor tá olhando.
— Olhando nada, o carinha tá é morrendo de sono. Manda aí!
— Acho que é 82. Sem certeza.
— Ô, Tião, to aqui olhando a prova do Tadeuzinho. Ele respondeu 95.
— Então soma 82 com 95 e divide por dois. E Tião você sabe quem é!
Foi aí que se começou a cogitar a possibilidade de os sexos não serem apenas dois
Íamos felizes os três, eu, ele e a bicicleta, depois de mais um dia de trabalho
Fico olhando para as crianças que saem da escola. Vão pelas mãos de mães atarantadas, que não sabem se ouvem as novidades dos filhos, se cumprimentam as professoras, se dão atenção às amigas. Vão também pelas mãos dos pais, senhores tão sérios, tão ocupados que mal se dão ao trabalho de olhar o desenho que pula orgulhoso da mochila e já vão correndo, porque deixaram o carro em lugar proibido.
Era de meter medo. E medo é pouco para descrever o que sentiram os imprudentes escavadores
Ontem à noite, estava eu com o rádio ligado, mas desligado dele, quando uma voz chamou a minha atenção. Era um pregador no santo direito de anunciar suas convicções religiosas. Sou de opinião de que em tudo na vida, e ainda mais em religião, cada um deve ficar na sua e respeitar todas as outras.
Para muitos brasileiros, no entanto, o que há de melhor neste mundo é a existência de governos
Já rapazinho, curado dessas primeiras e infrutíferas paixões, vim a saber da triste verdade
Eu nunca tinha visto coisa tão linda em toda a minha longa vida, e eu já estava com 11 anos. Ela era mais idosa, devia beirar os 13. Alguns dirão que a diferença era pequena, mas façam as contas: ela era quase 20% mais velha do que eu. Também não foi a minha primeira paixão, eu já tinha me apaixonado pela professora da 3ª série e, nesse caso, com algum sentimento de culpa, visto que a moça era noiva, e noivado naquela época era coisa séria.
Se jogar é pecado, não deve ser menos pecado torcer para que alguém ganhe no jogo
Não sei de onde ela tirou que sou uma pessoa confiável, mas o fato é que desde que nos conhecemos essa senhora me conta sua vida sentimental e financeira. Foi por isso que me atrevi a cumprimentá-la, após tê-la visto com um novo companheiro. Ao contrário do que eu previa, ela não demonstrou muito entusiasmo com a atual situação:
- Mas ele é mais velho do que eu. E pobre, ainda por cima!
Não creio que eu desejasse que o infeliz se arrebentasse contra a ponte de ferro
Ou você é muito jovem ou esconde a idade e, em qualquer dos casos, não vai admitir que se lembra do trem. Que trem? Eu falei que você não ia admitir. Mas não faz muito tempo que ele passava pelo centro da cidade, fazendo com a fumaça de sua chaminé desenhos que se esgarçavam no ar. E não é sem carinho que muita gente guarda essa imagem no “comboio de cordas que se chama coração”, como disse o poeta.
Foi aí que ela me confessou qual era o seu último desejo!
Bem disse Autran Dourado, no romance “Um cavalheiro de antigamente”: “Uma mentira, para se tornar veraz, carece de outras mentiras complementares”. É a mais pura verdade. Depois da primeira, o mendaz precisa de muita criatividade para ir se desembaraçando das patranhas que cria. Foi o que meu amigo Juliano pôde constatar ao ter o privilégio de viajar com Jorjão, um dos mais consagrados mentirosos de que se tem notícia nesta cidade.