Colunas
O olhar nos faz mudar de roupa
Participei da Festa Literária de Maria Madalena de 2019 e assisti a palestra da autora homenageada, a escritora e acadêmica Nélida Piñon, aos alunos e professores das escolas públicas da cidade, como também a conversa da escritora Ana Beatriz Manier sobre seu livro Te ajudarei a ir se quiseres, dinamizada pela psicóloga e psicanalista Ester Satille. No dia seguinte, ainda li o livro lançado na FLIM, Um pé de sonho, da contadora de história Marisa Maia de Melo. Foram momentos de reflexão, aliás estes eventos despertam o pensar, dado que a literatura sempre encontra uma forma de revelar a existência, carregada de fatos e significados que vão se transformando dia a dia, dando novos sentidos à vida.
Geralmente, adentramos nas festas literárias vestindo uma roupa e saímos delas com outra. No dia seguinte, eu me senti vestida com a cor marfim, a cor das presas do elefante. Ah, suas presas são de tecido vivo e nunca param de crescer. São por ele usadas para buscar alimento, procurar água, para defesa e marcar território. As presas lhe dão dignidade e imponência, da mesma forma como o pensar nos faz evoluir.
A cor marfim tem suavidade por não ter a intensidade do branco ou do amarelo, talvez. É a cor da sobrevivência, uma vez que as presas do elefante lhe garantem a possibilidade de resistir aos desafios que ele precisa superar dia após dia.
Nélida, Ana Beatriz, Ester e Marisa Maia me apontaram para o olhar, esta nobre capacidade humana que colabora para que os processos perceptivos e construtivos da identidade individual se realizem. O olhar tem autenticidade; cada criatura, humana ou animal, tem um modo particular de olhar capaz de expressar tantas palavras, impossíveis de dizer às vezes, de revelar sentimentos dos mais íntimos aos mais superficiais e de demonstrar até as surpresas de maior singeleza; também de captar um universo de sentidos a cada relance de olhar.
Nélida, mergulhada na experiência do seu viver, falou sobre a profundidade do olhar do animal que nós humanos, de posse de todo o conhecimento conquistado em milênios, ainda temos dificuldade de desvendar. Ana Beatriz e Estar conversaram sobre o modo como a mulher idosa olha para a vida, para o futuro e usa o poder de decisão a que tem direito. Marisa escreveu a história de uma menina que conseguiu olhar para o medo que sentia ao sonhar.
Eu tenho a impressão de que é cômodo apequenar o olhar e deixar os olhos pouco ou quase nada abertos. Embora seja bom abrir as cortinas que o guardam e deixar que a vida se exponha com grandeza, mesmo quando se percebe o olhar de um boi a caminho do matadouro.
Saber olhar é um aprendizado diário. A cada fase da vida olhamos de uma forma para o tempo presente que tão rápido passa. Cada olhar é capaz de nos fazer perceber questões relevantes e chegar a constatações inesperadas. Mas nunca esconde possibilidades, mesmo que de modo velado ou sorrateiro.
O olhar é uma das molas mestres que nos impulsiona a tomar decisões.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário