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A leitura entre o virtual e o real
Um desafio maior que se apresenta aos escritores que dedicam sua literatura aos
adolescentes é a convivência, quase concomitante, do jovem com o mundo real e com
o universo virtual, espaços distintos que acabam por se misturar, tornando-se difíceis
de serem distinguidos. Quem sou, onde estou e por que existo são perguntas que
perpassam em todas as suas palavras e ações. Ah, ele precisa encontrar respostas e
assistência nas pessoas que se voltam a este precisar e que se façam presentes. É um
modo intencional de estar ao lado dele, de fazer-lhe o bem.
Mas ao estar só...
Pouco se vê dois adolescentes conversando ou mesmo brincando sem um celular
nas mãos. Como eles adquirem habilidades para transitar com desenvoltura entre o
virtual e o real! É importante ressaltar que a realidade concreta é imperfeita, repleta
de imposturas, e o jovem precisa aprender a enfrentá-la, a interagir com pessoas,
portadoras das mais diferentes características e propósitos. A conviver com tantos
outros adolescentes e a discernir a respeito de uma quantidade imensa de
informações e fatos que precisam ser compreendidos e que nem sempre podem ser
assimilados. De certo, ele está no centro de redemoinhos, mas cheios de caminhos.
Ao passo que o mundo virtual lhe é atraente e instigante, diante do qual sente-
se poderoso. Para este mundo, dedica facilmente um tempo interminável, possuindo
enorme probabilidade para transformar a brincadeira em vício. Neste universo irreal
coexistem ambientes diversos em que seus personagens são imortais; lá, a morte não
existe. Quando acontece de um personagem perecer, ele pode renascer depois. Seja
num jogo, em alguma página seguinte ou horas depois, os heróis virtuais sempre
retornam, até porque as imagens podem ser repetidas ou porque os personagens são
imbatíveis.
O adolescente convive com um mundo de espetáculos, diante do qual é um
interessado espectador interativo. Ele tem um custo, muitas vezes não financeiro, para
manter-se coexistindo virtualmente num mundo inexistente, que possui tecnologia
avançada, capaz de lhe oferecer a impressão de que é mais completo do que o existente. Diferentemente do mundo real, que pode ser trágico, causar perdas e dores,
onde as pessoas morrem mesmo.
Os escritores têm meios de conversar com o adolescente a respeito desta
diferença essencial, através dos textos literários, que podem ser em forma de livros
materiais e virtuais, peças de teatro, filmes, crônicas publicadas em jornais, revistas
em quadrinhos. Em todas as possiblidades, há modos criativos de o escritor lhe
apresentar modos saudáveis de estar no mundo, colaborando, assim, para que a vida
aconteça da melhor forma possível. Inclusive, para lhe sugerir maneiras de transitar
com curiosidade e agudeza nestes dois universos, tão cheios de possibilidades
também. Não há receitas. Há inteligência. Há sentimentos de humanidade. Há arte.
Entretanto, o trânsito insensato entre o real e o virtual encurta a visão que o
jovem faz a cada dia da vida e de si mesmo, limitando o entendimento do potencial de
energia que possui para construir seus projetos. Entretanto, se neste transito,
descobrir formas saudáveis de se movimentar, poderá pesquisar infinitamente e
vislumbrar possibilidades.
A literatura salva! Salva, através das interessantes histórias que retratam, com
criatividade e sabedoria, personagens reais e a diversidade do viver. A leitura também
é um prazer que vicia. E que bom que assim o seja! É um hábito saudável, através do
qual o leitor experimenta a vida através de diversos contextos e personagens, conhece
o mundo e sua história. Ultrapassa as barreiras do pensar. Na literatura, o adolescente
encontra desafiadoras aventuras, inesquecíveis heróis, lugares inimagináveis. Ele pode
mergulhar nas páginas de papel e virtuais dos e-books.
Sabendo transitar e lendo, ele pode ir além. Tornar-se uma pessoa melhor.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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