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Ser autor e editor ao mesmo tempo: o grande desafio
Muda-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança,
Tomando-se sempre novas qualidades.
Luiz de Camões
Ah!, Camões, este ano, se estivesse vivo, faria 440 anos. Mas suas ideias não são antiquadas, pelo contrário, são atuais. Saiba que essas suas palavras são esclarecedoras para mim e, provavelmente, para os escritores da minha época. Sua obra tem tal qualidade literária que perdura no tempo e está enraizada nas mais diversas culturas. Entretanto, você não se deparou com as nossas questões, as do século XXI. Apenas escreveu... escreveu...
Sim senhor!, Como dizia Lewis Carol, em Alice. Do mesmo modo que todos os viventes, nós, os escritores, nos deparamos com situações diferentes das do século XVI; os tempos atuais nos dizem que precisamos escrever e editar ao mesmo tempo. Esta atividade profissional, hoje, ultrapassa a inspiração e o bem escrever; não mais adianta ser um artista das prosas e criador de versos. É preciso colocar o livro no mercado consumidor, altamente competitivo, como um produto de venda.
Considero ser o mercado um universo que nos desafia e pode nos alquebrar, caso não tomemos as devidas precauções. Como, já não bastasse, aprimorar os cuidados com a construção de textos literários de qualidade, que possam sobreviver ao tempo. Os ruins, caem nos abismos do esquecimento e desaparecem. Nosso trabalho se assemelha ao das rendeiras, que, com mãos delicadas e hábeis, cuidadosamente, bordam de sol a sol.
O mercado nos é o grande ponto de mutação que nos impele a uma posição transversa para a qual temos que nos capacitar. E, assim, precisamos nos tornar competentes pesquisadores do mercado de consumo de livros, ter inteligência imaginativa para que nosso produto, se físico ou virtual, seja atraente ao leitor.
É uma viagem do criativo ao financeiro, que parte da decisão do escritor em tornar-se exímio empreendedor. Hoje, já não basta, amigo Camões, ser um entendedor de palavras, mesmo que nossa essência seja carregada de ideias. Precisamos planejar e fazer contas. Muitas contas.
Temos que ser bons vendedores.
Se de médico e louco, cada um tem um pouco, o escritor, hoje, é um profissional ambivalente, uma vez que tem que desenvolver, em um lado das suas faces, o caráter do comerciante que valoriza e cuida do marketing.
Camões, hoje, tudo passa por um posicionamento determinante: sobreviver do ofício de escrever para concretizar necessidades e sonhos materiais. Por que não ter ambições? Talvez, quem faça sabonetes ou sapatos possa ter dilemas mais simples. Enfim, faz-se necessário adquirir a confiança dos tempos modernos, para sermos capazes de transitar do âmbito da escrita criativa ao universo editorial. Há que se adquirir desenvolturas. Há que se desenvolver habilidades impensáveis na época em que decidimos ser escritores.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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