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O lado bom da força
Acreditar no ser humano até que ele demonstre que não é digno da sua confiança. Ter boa vontade até que reste ser comprovado que o destinatário das suas ações não é tão digno assim de recebê-las. Ter a intenção de ajudar, sem requisitar nada em troca (nem nas entrelinhas das segundas intenções). Dar de verdade, doado, porque sim. Sem dívida moral para acertar depois. Compartilhar prosperidade, sem contabilizar os créditos que sua boa ação pode te proporcionar. Fazer sem esperar retorno. Ensinar com a intenção de que aprendam. Aprender com a intenção de aprender mesmo.
Nem tudo vale dinheiro, nem tudo vale crédito, nem tudo vale nota na escala de valores de uma pessoa. Aliás, as coisas mais importantes da vida, nem coisas são. Frase repetida, mas cheia de razão. Sabe quando alguém é honesto com você e chega a te comover? Quando você recebe um presente como demonstração de gratidão, sem interesse? Quando você é tão bem tratado que fica com vontade de levar aquele bem feitor da gentileza para casa? Quando as pessoas são tão solícitas que chegam a te constranger? Quando te oferecem colo e acalento e você não consegue nem aceitar? Quando te fazem tão bem que você chega a se emocionar? Quando as intenções das pessoas são genuinamente tão boas que chegamos a desconfiar? Então. Quando o lado bom da força transborda, por vezes fica até difícil conseguir lidar. Estranha realidade.
Por que dificultar a vida das pessoas à toa? Para quê criar obstáculos desnecessários? Por que se fazer temer para receber o respeito de alguém? Estamos na era da luz. Nem todos os pingos dos “is” precisam estar milimetricamente em cima dos “is”. Cadê a flexibilidade? O jogo de cintura? O “borogodó”? Cadê a leveza? Le-ve-za.
Não estou me referindo aos jeitinhos, às trapaças, ao desejo de enganar as pessoas. Pelo contrário. Quero falar das pessoas que por pureza de espírito, por intenções positivas, fazem por amor, acreditam pela crença de que as pessoas podem ser verdadeiras, dão por dar, recebem por receber, e por aí vai. Essa lógica que deveria ser mais natural entre nós, humanos.
Pessoas não são números. Pais não estão sempre certos. Professores não sabem tudo. Desempregados não são malandros. Estrangeiros não vivem melhor. Relacionamentos não são sempre perfeitos. Trabalho não é martírio. Políticos não são todos corruptos. Todos os milionários não são felizes. Percebem?
Às vezes acho que estamos vivendo de exceções. Isso me inquieta. A pirâmide às vezes me parece invertida. A base, a massa, a maioria, deve ser composta pelo lado bom da força. Se me falam algo, acredito. Por que tenho que imaginar que a pessoa está mentindo? Se me tratam com gentileza, retribuo. Por que deveria imaginar que a intenção por trás dos gestos afáveis estão enrustindo uma intenção diversa? Se me pedem e eu posso fazer, eu faço. Por que deveria me recusar a ajudar alguém?
É tão comum escutarmos conselhos do tipo: “não fique disponível”, “a regra é não”, “não caia nessa conversa fiada”, “não perca seu tempo ajudando”, “faça o mínimo necessário”, “não acredite nessas boas intenções”, “duvide até do espelho”, “não conte nada para ninguém”. Andamos tão armados. Tão fechados. Tão individualizados. Complexo. Talvez mais difícil fosse ser diferente disso.
Hoje em dia estamos sendo julgados, filmados, gravados, registrados. São tantos dedos apontados, tantas mentes fazendo juízo de valor sobre nossa postura. São tantas opiniões preconcebidas sendo extraídas exclusivamente das postagens das redes sociais, de uma fala isolada, de uma atitude excepcional em um dia ruim, de uma fofoca, de uma impressão negativa. Isso dificulta as relações mais naturais, mais reais, mais verdadeiras, com mais partilha e menos julgamento, com mais essência e menos forma. Será que o lado bom da força está enfraquecendo?
Trecho da semana
“Borde delicadezas no tecido às vezes áspero das horas. Reinaugure gestos de companheirismo. Mas, não deixe para depois. Depois é um tempo sempre duvidoso. Depois é distante daqui. Depois é sei lá.” (Ana Jácomo)
Paula Farsoun
Com a palavra...
Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.
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