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Natal
Me ponho a imaginar um lugar perfeito para se viver o Natal
O homem na mesa em frente fala do Natal, mas é como se falasse do Carnaval, do Bumba-Meu-Boi ou da decisão do Campeonato Brasileiro de futebol. De suas palavras nasce uma festa pagã, regada a cerveja e cheia de embrulhos. Em seus olhos, não brilha a estrela-guia, brilham lâmpadas coloridas, espetadas numa árvore artificial, vergada ao peso de tantos, muitos penduricalhos. No lugar da manjedoura, a churrasqueira já está acesa para o Ano-Novo.
Ouço-o falar de Nova York e neve, até o Fantasma da Ópera comparece à sobremesa. Deduzo que ele planeja, ou ao menos sonha, passar o Natal “in thecitythatneversleeps”, como diz a canção. É um belo programa, não há dúvida. Não vou agir como a raposa da fábula, que desfaz das uvas por não poder alcançá-las. Pudesse eu passar o Natal em Nova York! Mas a verdade é que meu saldo bancário não me permite voo tão alto; para ser franco, não dá nem para tirar os pés do chão. Por isso me conformo em ficar por aqui, mas, como forma de compensação, me ponho a imaginar um lugar perfeito para se viver o Natal.
Nesse lugar impossível, ninguém distribuiria comidas e roupas para os pobres, pois não haveria pobres para recebê-las. Também não haveria troca de presentes, cada habitante estaria presente, seria um presente na vida do seu irmão. E as crianças, embora não ganhassem brinquedos, brincariam o dia inteiro, todos os dias do ano, só parando para comer, dormir e, se as mães insistissem muito, tomar banho.
Ali os adultos trabalhariam, não para cumprir o castigo bíblico, mas para se sentirem coautores do mundo. E, assim, o domingo nem seria um dia especial, porque a semana inteira teria gosto de domingo. Uma vez que só existiriam amigos declarados, a expressão “amigo secreto” não faria sentido, quando muito serviria para exemplificar o que é paradoxo, antítese, oxímoro, arcaísmo e o que mais haja de loucura na linguagem.
A palavra amor estaria banida dos dicionários, para que todos pudessem se amar verdadeiramente, sem preconceito de raça, cor, idade, religião. Os adultos se dariam as mãos e formariam o grande círculo de paz ao redor da infância e da velhice e estas conviveriam como convivem duas pétalas na mesma rosa. Ninguém seria estranho ou estrangeiro ali e o diferente teria seu lugar assegurado entre os iguais.
O direito de ser feliz estaria garantido a tal ponto que não constaria de nenhuma lei: seria natural como respirar. Ninguém mais choraria fome de pão ou de afeto. Os filhos encontrariam em seus pais e mães companheiros constantes, amigos inseparáveis e, quando qualquer menino ou menina a eles se referisse, teria brilho nos olhos e orgulho no coração.
Toda gente se esforçaria para transmitir às novas gerações um mundo onde transbordassem vida e saúde. Para tanto, cuidariam dos rios, das florestas, dos animais e do ar. Todas as armas, desde o revólver de brinquedo ao míssil mais destrutivo, repousariam nos armários dos museus e serviriam apenas para lembrar como não se deve viver. Os governantes obedeceriam a uma única lei: o verdadeiro bem dos governados.
Nesse lugar impossível, não haveria datas dedicadas à paz ou à confraternização universal, nem os países teriam dias nacionais, pois não haveria quem não estivesse contribuindo para que os diferentes povos comemorassem juntos as mesmas datas, tivessem as mesmas festas e sentissem pulsar um só coração.
Enfim todas as pessoas saberiam que as festas podem ser feitas em Nova York ou em Pirapora, mas que o Natal verdadeiro, o verdadeiro nascimento de Jesus Cristo, este só acontece no coração dos homens e mulheres de boa vontade.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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