O que leva uma pessoa a se mutilar?

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A dor mental central no ser humano é a angústia. Uma pessoa angustiada pode sentir sintomas físicos da angústia, como aperto no peito, dificuldade para respirar, pressão na nuca, frio na barriga, perda ou aumento do apetite, sensação de dificuldade de engolir, etc. As manifestações físicas da angústia ocorrem porque é uma forma que o organismo tem para aliviar a mente. Se, e quando, a angústia fica “só” na mente consciente, ela pode incomodar bastante. Perceber a angústia não é fácil. Muitos escapam desta percepção com outras coisas sem ser manifestações físicas da angústia.

É possível fugir da angústia ou tentar mascará-la, consciente ou inconscientemente através de sexo, comida, compras, trabalho, domínio dos outros, falar demais, extremismo religioso, abuso de álcool e drogas, etc. Geralmente é uma fuga inconsciente.

Lidar conscientemente com nossas dores emocionais sem fugir delas, é um desafio. A dor dói e não gostamos dela. Mas a dor da angústia é um sinal, um alarme dizendo que há algo errado que precisa concerto, não necessariamente através de medicação. A medicação tem seu lugar em certos casos, mas ela só alivia a angústia e suas manifestações. A angústia está dizendo que existe um problema a ser resolvido. É como a luz vermelha do painel do carro que ao acender indica um defeito. Se você fingir que não viu a luz vermelha acesa, ou se quebrar a lâmpada e seguir viagem, vai dar problema. Não porque a lâmpada é má. Não porque a angústia é inimiga. Mas porque ela serve como sinal de que existe algo no carro e na sua vida que precisa ajuste, mudança, reparo.

Está comum jovens se mutilarem. Automutilação é a pessoa machucar, lesar ou ferir a si mesma. Não é algo feito para chamar a atenção ou por querer se matar, mas para tentar escapar de sentimentos dolorosos. Se mutilar significa que a pessoa não está conseguindo lidar com a angústia de maneira equilibrada naquele momento da vida. Ela se mutila porque busca obter alívio da angústia, da aflição, da forte ansiedade que sente.

Quando meus filhos eram adolescentes, assistimos um filme no qual um soldado na guerra encontrou um amigo ferido por estilhaço de granada na perna, se queixando da dor. O soldado o incentivou a andar mesmo assim, para sair do local perigoso. E o amigo continuava a se queixar da dor na perna. De repente o soldado pega uma das mãos do amigo, e quebra um dedo dele, logo o amigo se “esqueceu” da dor da perna e gritava pela dor no dedo. Mas conseguiu andar, saindo da zona de guerra (que cria tanta angústia!).

Quando uma pessoa se mutila, a dor provocada pela automutilação diminui o sofrimento da angústia porque a pessoa passa a se concentrar na dor da ferida física que ela provocou nela mesma que pode ser cortar a própria pele, queimar partes do corpo, dar pancadas em si mesmo, etc. A dor física pode ajudar estas pessoas a “esquecerem” temporariamente a dor emocional. Daí o problema principal a ser atacado e tratado é o que leva esta pessoa que se mutila a ter uma angústia tão desagradável que tenta anular ou fugir dela machucando-se.

Em torno de 20% dos jovens adolescentes se mutilam, sendo comum isto ocorrer entre os 14 e 16 anos de idade, mas pode ocorre mais tarde. Muitos fazem isto em locais no corpo que dá para disfarçar com o uso de calça comprida, camisa ou blusa com manga longa, mesmo que esteja no verão. Estes jovens automutiladores sofrem de transtornos psiquiátricos que podem ser principalmente os ligados à ansiedade muito alta ou angústia forte, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão ou os complicados transtornos de personalidade.

Causas principais de automutilação incluem problemas na família, importante dificuldades em expressar o que sente, abusos na escola ou no trabalho (bullying). O tratamento deve ser feito com psiquiatra e psicólogo que identificando a causa básica da angústia da pessoa, a ajudará de modo que o automutilador aprenda a expressar sentimentos adequadamente, coloque limites para abusos, aceite problemas na família que não estão ao seu alcance resolver. Enquanto o jovem vai aprendendo a administrar saudavelmente suas emoções e pensamentos distorcidos, o profissional pode ensinar como minimizar ou diminuir o modo de se machucar. Exemplo, a pessoa ao invés de se cortar com gilete, ferindo a pele, pode segurar uma pedra de gelo por alguns minutos.

Se você não se mutila, não critique quem faz isto e pense: o que você faz com sua angústia? Consegue lidar com ela construtivamente ou ela domina sua vida através de compulsões sexuais, comida, romance, dinheiro, domínio, vício em trabalho?

 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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