Poeiras

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Quem não tem poeira em torno de si? Quem não vê poeira em todos de outros? Quem não tem poeira em casa? Quem não chega da rua sujo de poeira?

As redes sociais, hoje, são mestras em falar das poeiras em que estamos mergulhados; preconceito, desamor. Falta de respeito. Gostei da palavra poeira porque é a metáfora de situações que estão dentro ou fora de nós, imperceptíveis no quotidiano, mas, se repararmos bem, têm determinações em nossas vidas.

Tenho uma escrita formal. Possivelmente, ainda tenho que me acostumar a ser menos razoável. A razoabilidade me faz ser a pessoa mais certa dentro de uma loucura maior. Ou completamente desacertada dentro de todos os acertos. A única certeza que tenho, é que sou mais feita de poeiras do que de panos de limpeza e muros de arrimo.

As postagens, os comentários e as imagens têm me tocado, estimulado a vê-las e considerar que as poeiras fazem os escritores construírem sua obra. São disparadoras.

Aí, penso em outros cronistas que falam das mais interessantes e profundas poeiras. Muitas vezes, em tom bem-humorado. As poeiras são feras que nos atormentam e que nos exigem a coragem para vê-las e contá-las. Conseguimos descrevê-las ou comentá-las quando abrimos o peito sem defesas. Nada mais sensato é ler um autor carregado de poeiras; ele consegue nos mostrar a sutileza da maldade humana, que é de modo tão destemida, que se apresenta inebriantemente enganosa.  É possível sermos por ela abraçados e somente nos damos conta dos danos que nos causou anos e anos depois. Como Mia Couto sabe disso! Um escritor pode ser assustador.  

Sempre esperamos por benesses. Como gostamos do bem que nos fazem! As palavras bonitas... A sorte nossa é que os animais nunca se tornam pessoas, pois, se assim o fosse, realmente viveríamos num suposto paraíso sem a beleza dos pássaros e a frescura das águas mansas de um lago. Precisamos ver o voo das garças refletidos nos espelhos d’água para termos esperança para acordarmos na manhã seguinte.

Fiz anos de terapia e não consegui lustrar meus sapatos. Sorte minha. Por isso, gosto de escrever.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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