Deixa ir

sábado, 21 de outubro de 2017

Deixa ir

Parece que é para ser mesmo assim. Esse vai e vem não leva a lugar algum. Mas enquanto percorre esse caminho, traz tantas alegrias, como angústias e tristezas. Ansiedade em que a prudência aconselha não deixar mobilizar pés, alma e coração. Mesmo na leveza não se sustenta. E, sempre termina. Mas vem recomeço cheio de desculpas e a esperança faz crer que na volta será tudo diferente. A teimosia perde razão para a insistência. Confusão. Castelo de areia que desmonta ao sabor do vento. O passado parece dar alicerce para reafirmar o presente. Mas o revoga. Quando o futuro chega, o equívoco se apresenta sem máscaras. Desnorteia. O tempo terá norte?

Não sei se é sorte ou azar. Será livramento? Mas enquanto não sei definir o que é, sei bem o quanto dói. Tento me desvencilhar desse destino de não ter nascido para isso. Mas é quando mais acredito que também mais se prova que de fato eu não nasci para conto de fadas. Tentando ser leve não voei ao ponto que a leveza sequer me fez ou faz flutuar. Corro, fujo do compromisso de fazer pacto com o que não me cabe. Mas me encaixo. E se não me encaixo parece que o encaixe se adapta a mim. Converso com as horas para que o relógio seja menos cruel. Renego confabular com o medo para trapacear a coragem. Quem disse que a gente tem que ser feliz só pela gente mesmo? Quem foi que determinou que é para ser feliz o tempo inteiro?

Há cenas que nos desmontam. Há fatos que nos machucam. Nessas horas é difícil se convencer pela realidade de que coisas ruins também acontecem a pessoas boas. Julgar-se só piora tudo. Não foi culpa sua. Não é culpa de ninguém. Essa de certo e errado é fatalmente um erro. Só é preciso reunir forças e seguir em frente, porque amar é também deixar ir. Entre encontros e despedidas muitas das vezes damos adeus a nós mesmos. Pois o que fomos ontem, já não somos mais agora e o que vale é o que está sendo.

O susto já não visita mais a garganta. A perda ficou no fim de tudo e o recomeço anima. As lágrimas de outrora lubrificam o sorriso que salta ao horizonte. A loucura tempera a lucidez, enquanto a razão só encontra razão na emoção que faz a vida ser encantada. Se não é para dar certo é porque é certo de que ainda não é certo dizer que há certo. Pelo menos não por esse caminho ou olhar. Haverá de existir uma incerteza mais certa e tempos mais harmoniosos.

Tantas contradições para nos contrariar que até nos contradizemos. Ir contra a corrente requer intensidade, pouca prudência, mas também sabedoria de quem sabe o que quer. “Faça como se tudo fosse uma canção” – diz a vida debruçada na janela. Descruzo os braços e os deixo abertos, tal como o peito, para receber a dádiva daquilo que não precisa de definição.

Por que ter que dar nome ao que existe aqui? Por que não apenas sorrir com o que se faz e se tem nesse espaço-tempo tão particular? Sem nome, mas repleto – sorrio. Apenas sorrio. Enquanto estou no hoje, o presente que vem no amanhã não me importa. Se associar a ele é também deixar-se domar por forças das quais não temos nem controle, tampouco podemos combater. Assim, viver a possibilidade que está aqui é o melhor que se pode ter, sem presunção de que aja vivência que possa ser mais perfeita. Porque amar é também deixar ir... E me voo.

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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