Entre obedecer e respeitar

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Entre obedecer e respeitar

O sistema tradicional, disciplinar, das escolas desenvolvia a obediência. Não estamos muito longe de regimes políticos autoritários, nem nossa história desligada dos paradigmas do sistema monárquico. Quando do advento da república, no Brasil, a filosofia positivista exercia uma forte influência nos meios políticos e educacionais e caímos num sistema de obediência civil, tendendo a aumentar na medida do endurecimento das constituições que centralizavam o poder nas mãos dos governantes civis. Era o império da obediência civil. Obedecer era, portanto, o mais importante. Obediência nos gabinetes, obediência nas fábricas, obediência no trânsito, nas igrejas e nas escolas. A queda do imperador não correspondeu à queda do imperial poder dos “escolarcas”.

Entendemos por escolarca os antigos inspetores federais que representavam o governo junto às escolas. Nem os “pontos” para as provas eram sorteados sem a presença dele. Também os diretores das escolas temiam esses escolarcas. Os alunos acabavam temendo seus diretores e seus professores. Existia uma obediência para ser cumprida e, para os padrões da época, acabava dando certo. Isso não significa que os educandos estavam assimilando conceitos de cidadania. Podiam, inclusive, nem pensar em respeitar, mas, simplesmente em obedecer.

Se as escolas civis assim eram organizadas, as religiosas faziam cair sobre os alunos o peso das regras de obediência da própria congregação. No Brasil duas correntes são marcantes: a disciplina militar para as escolas públicas e, a disciplina religiosa, para as escolas confessionais. Todos eram uma espécie de seminaristas: uns das forças armadas e, outros, das várias congregações. Sobre isso já escrevi alguma coisa na década de 1980, matéria publicada no livro “Ensinamos demais, aprendemos de menos”, da editora Vozes, hoje na 20a edição.

Duas décadas se passaram e ainda encontramos famílias que procuram escolas com o perfil autoritário para educar os próprios filhos. Querem que as escolas façam o que não conseguem mais fazer em casa seja por falta de tempo ou falta de autoridade. Então, buscam instituições que são autoritárias pelo fato de exigir obediência e, não, respeito. Porque há uma grande diferença entre uma coisa e outra.

A obediência é a responsável pela formação de um profissional que reflete, dentro de uma empresa, o famoso “sim senhor”. Concorda com tudo. De nada discorda. Sempre diz o que o patrão quer ouvir e acaba não auxiliando o crescimento da própria empresa em que trabalha.

A técnica de computação do Senado Federal, quando solicitada a fornecer o resultado de uma votação, respondeu como uma boa estudante brasileira que aprendeu a obedecer ao chefe. Sim senhor, foi a resposta. E nós sabemos que deu no que deu!

Mas, o que deveria ter feito essa senhora? Deveria ter respeitado e dito que haveria possibilidade de se descobrir tudo se os painéis fossem violados porque o sistema tinha suas defesas. Não o fez. Obedeceu. Esse é um tipo de resultado.

Respeitar é um estágio muito mais avançado que obedecer. Enquanto a obediência está para um sistema industrial ultrapassado, o respeito é compatível com a sociedade das pessoas. Quem respeita está aceitando a autoridade, não o autoritarismo. Uma escola onde exista respeito terá educadores com autoridade sem serem autoritários. Uma escola onde exista obediência terá educadores autoritários sem terem autoridade. Pior: a autoridade existindo não garante o respeito.

Quando o coração que não ama é substituído pelo pulso forte, existirá autoritarismo com a perda do respeito e da formação dos educandos em relação à alteridade. A boa escola precisa de educadores que tenham pulso forte atrás de um coração que ama. Esses formarão para a convivência, ensinarão aos educandos o que é aprender a ser e a conviver. Obedecer é um estágio pouco evoluído diante do respeitar, este gesto cidadão para o qual devemos nos inclinar e tender.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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