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Palavras de boa aparência
Quem não inventa? Eu é que não sou. Não lá invento sonhos, nem ilusões. Sou de criar palavras. Às vezes, quero dizer algo de um jeito e não encontro palavras de boa aparência. De tanto querer, acabo fazendo o movimento da trovoada nos meus pensares e, quando isso acontece, sou tonta que nem vaqueira incompetente que é instantaneamente jogada ao chão. Minhas ideias gostam de ir além da língua, o que me faz ser perguntadeira. Faz tempo que não quero ser escritora carregada de acertos. Talvez por isso tenha uma briga com a máscara que me faz ter cara de gente. Estou sempre com vontade de encontrar outras possibilidades da língua que me afoga com regras. Sou decerta. Leio e leio para avistar escritores que gostam de palavras diferentes. Ah, o admirável Guimarães Rosa. Eita, leitura difícil de Veredas. Pela sua genialidade, não poderia ficar limitado aos dicionários. Nas desverdades, as ideias são que nem sertões; lugar sem lei, sem casas na ribeira bonita, onde desvairado pode pegar sol sem riscos. Ser escritor é ser isso. É um descarnado que têm prazer em dar vida às ideias vivíssimas. Mesmo sendo um rezador e apreciador de panquecas de pimenta, ele faz da sua caneta uma vara de revelação de si mesmo. Apesar de tudo, não é doido. A doideira está na humanidade que supõe ser sarada.
Ah, o escritor, esse sofrente que quer ser feliz com suas palavras.
O que seria de uma civilização se as ideias não fossem corporificadas por palavras.
As ideias são gados rebeldes que não querem receber trato acertado. Regra aqui, ponto lá; estão prontas a guerrear e não gostam de disfarces. São como redemoinhos sensíveis à força do vento, e a ventania, aquela que vem varrendo tudo, é benvinda. Não adianta revirar os olhos, franzir a testa e estalar os dedos; as palavras vão surgindo livres, soltas. Irreverentes. São verdadeiras sentenças. Nenhuma palavra, dita ou escrita, é descorajosa; tem a força para ser consumida, julgada e amparada pelos seres que merecem a vida. A palavra os alimenta, desenhando as amarras da alma e, mesmo sem pedirem licença, num derrepente, são a ordem e a contraordem. Nem para o bem ou para o mal, elas aparecem para estipular sentidos. Poissim. Poisnão.
A vida tem tantos caminhos e descaminhos, linhas emboladas, traços fraquejados. Pontos coloridos. No meio da querência de cada um, tem a palavra. Que escape dos dicionários. Bom que seja assim, a palavra verdadeira tem boa aparência.
E, se amargar ou adoçar? Paciência e fôlego a gente precisa ter para não morrer.
P.S.: Com AJELASMICRIM ganhei o prêmio OFF FLIP de literatura.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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