Colunas
A diferença entre disciplina e limite
Alguns pensam que se trata, apenas, de uma questão semântica. De fato, não é. Enquanto disciplina é imposta de fora para dentro, não é debatida com os envolvidos e atende muito mais aos interesses de quem está no controle de uma série ou turno escolar, o limite é discutido e estabelecido em função de necessários valores comuns e se baseia nas questões que envolvem alteridade. Portanto, o outro, enquanto parceiro horizontal torna-se mais importante que o dirigente, não parceiro com características de mandonismo.
A psicóloga Tânia Zagury, em seu livro “Limites sem trauma” da Editora Record define muito bem o que vem a ser limite: “Limite é dizer sim sempre que possível e dizer não quando necessário”. Vejamos bem que o sim e o não independem do que está escrito no “manual”. A disciplina é baseada em regras claras e definidas, escritas em manuais de procedimento. Os educadores que tomam como base esse processo burocrático não conseguem ver diferenças entre uma turma e outra, entre um aluno e outro, e estão ligados a paradigmas que não evoluem. A disciplina, portanto, é dogmática e se estabelece sobre pedestais de que uma determinada escola tem a iluminação suficiente para forjar cidadãos. Não são, dentro da disciplina, as pessoas que caminham para o amadurecimento e para a autonomia, discutindo à exaustão os seus atos com os colegas e educadores.
O construtivismo no campo acadêmico tem seu par no campo comportamental. Enquanto a disciplina indica, por saber-se sábia, os caminhos a seguir, o sistema de estabelecimento de limites permite ao educando construir sua autonomia. No dia em que não houver educador, o segundo estará mais preparado para enfrentar situações adversas que o primeiro que foi treinado para responder em situações previstas nos regulamentos.
Alguns entendem que a boa educação e a boa escola são especialistas em treinar uma criança a dizer sim às suas normas e procedimentos. Ledo engano. Uma criança treinada para dizer sim, quando rolar a droga na festa, não saberá dizer não. Entender-se-á como “careta” tanto quanto os adultos que a treinaram.
O treinamento é muito mais fácil que a educação. Por isso, cachorros e gatinhos de estimação podem ser treinados mais facilmente, enquanto crianças, para escovar os dentes depois das refeições, são educadas através de muitos anos. Mesmo assim, dentro da mesma casa e com os mesmos pais existem comportamentos diferentes.
Com os filhos tenho duas experiências derivadas da mesma orientação. Um deles era muito agitado e a escovação nunca foi boa. Portanto, mais cáries dentárias. O outro, mais calmo, entendeu por muitos anos a necessidade de escovação e chegou aos doze anos sem ter tido uma cárie sequer. Comemoramos, em casa, termos conseguido um nível sueco de educação bucal, pelo menos com a metade dos filhos. Quando este assíduo escovador de dentes chegou aos treze anos, nós entendemos que estava preparado e autônomo. Engano grave! Surgem quatro cáries. Quando perguntado sobre o porquê das cáries eles respondeu que diminuiu a escovação para poder passar pela experiência do motor do dentista. Realmente o ser humano diz “sim” se quiser! Em seguida, passada a experiência, tudo voltou ao normal e assim segue na vida adulta.
Agora, imaginemos um pouco mais: se o processo de construção da consciência da necessidade de escovação teve esse tropeço, o que não pode acontecer se uma pessoa é educada por condicionamento e sem ter experiências de construção durante a vida, no dia em que se sentir sem controle de um educador diretivo?
Também em “Limites sem trauma” (Zagury) há uma citação complementar à questão dos limites: “Limite é saber conviver com a frustração e adiar satisfações”. Tal fato ocorre em nossas vidas mês a mês. Num dia não podemos fazer a revisão da moto porque estamos comprando o material escolar ou, então, deixamos de fazer uma pintura na casa porque o filho ou filha foi estudar em outra cidade. Adiamos satisfação e convivemos com frustrações todos os meses, semanas e dias de nossas vidas. Quando os limites são estabelecidos têm-se em mente exatamente isto que acabamos de expor, como uma realidade natural da vida para a qual devemos estar preparados. Com os limites temos a ordem necessária, com uma diferença em relação à disciplina: enquanto esta é imposta, a outra é construída no dia a dia da escola.
A poeira levanta atrás da caminhonete na estrada Cuiabá-Santarém. Ia para Rurópolis, entroncamento da Transamazônica para um evento educacional no Estado do Pará.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário