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quarta-feira, 02 de agosto de 2017

Bem sei que o prezado leitor não foi contemporâneo de Heráclito: nasceu um pouquinho depois

“A sorte está lançada”, teria dito Júlio César antes de atravessar o Rubicão. Se você não matou a aula nesse dia, há de se lembrar de que Júlio César foi um general e político romano que, entre outras coisas, namorou a rainha Cleópatra. Andava ele há nove anos guerreando, e guerreando por conta própria, sem autorização do senado. Ia derramando sangue e vitórias por toda parte, limitando-se a comunicar a seus conterrâneos: “Cheguei, vi e venci”.  Ficava difícil obrigá-lo a voltar pra casa.

César era bom de briga, desobedeceu até a uma lei que ele mesmo fizera aprovar, quando cônsul. A lei obrigava os generais a desmobilizarem seus exércitos, antes de entrar em território romano. Não só ignorou a ordem como ainda quis ser nomeado novamente cônsul. Como lhe negaram esse favorzinho, resolveu tomar o poder à força. Não era como no Brasil de hoje, em que se conquista o poder e nele se permanece de maneira mais pacata, ou seja, com propinas, favores e nomeações. Não conhecendo essa prática tão brasileira de fazer política, César, depois de muito pensar, decidiu atravessar o Rubicão, rio além do qual estava a cidade de Roma. Foi então que exclamou “alea jacta est”: “A sorte está lançada”.

Morreu muita gente, como soe acontecer em todas as guerras. E o nome César ficou famoso a ponto de dar origem à palavra cesariana (supõe-se que ele nasceu por meio dessa operação) e aos imperiais títulos Csar e Kaiser. No Brasil, onde tudo acaba em pizza ou em bebida, Kaiser virou marca de cerveja. Bem dizia o contrariado chefe mafioso da galeria de personagens de Jô Soares: “Não traz a máfia para o Brasil que avacalha a Máfia”.

Mas não vai pensando que, por ter sido tão famoso e poderoso, Caio Júlio César teve vida mansa e morreu cercado de flores e de amigos. Muito pelo contrário: tombou à porta do senado, onde os venerandos senhores o cercaram e, com vinte e três punhaladas, puseram fim ao seu governo e, pior ainda, à sua vida. Seu protegido, Brutus, sendo um bruto, estava entre os assassinos. César, diz a história, cobriu a cabeça com a toga e exclamou: “Até tu, Brutus, meu filho?”.

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Tudo flui”, concluiu o filósofo Heráclito, ou seja, tudo se transforma constantemente, tudo passa. Na época, e bota milênios e séculos nisso, se acreditava tudo era imutável e se, acaso você julgasse ter visto alguma mudança, por exemplo, no latido do seu cachorro, isso não passava de um engano seu ou, para ser franco, que você estava era ficando surdo. E não leve a mal que eu tenha usado o pronome você, pois bem sei que o prezado leitor não foi contemporâneo de Heráclito: nasceu um pouquinho depois. Mas é que essa palavra virou um coringa gramatical, é um genérico, entra na frase quando não vale a pena dizer de quem se está falando. Por exemplo: “Você trabalha a vida inteira e, quando se aposenta, é aquela merreca de pensão”. Bom, talvez nesse caso o pronome realmente se refira a você. Ao menos se refere à maioria dos “vocês” do Brasil.

Mas voltemos ao nosso amigo Heráclito, que também disse que “Não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio”, porque, entre um mergulho e outro, “Somos o mesmo e já não o somos”. Isso me faz pensar em quantas vezes congelamos o conceito que fazemos de uma pessoa, quanta mágoa boba guardamos, com quanto veneno alimentamos o coração, embora a causa desses sentimentos já tenha se perdido no tempo, embora às vezes já nem nos lembremos do que deu origem a eles. É como aquela passagem do filme O Ébrio, em que o personagem-título diz que bebe para esquecer. E quando lhe perguntam: “Esquecer o quê?”, singelamente reponde que já não se lembra mais.

Tudo flui, tudo passa, nada é permanente neste mundo. Não vale a pena nos apegarmos a crenças caducas ou ressentimentos que nos separem dos demais viajantes desse trem veloz que se chama vida. Sim, porque, tirando o motorista e o cobrador, tudo mais é passageiro. Tudo flui, e o melhor é irmos no embalo, sabendo que, como diz a sabedoria popular, não há mal que nunca se acabe, nem bem que dure para sempre.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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