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Ah, o tempo... Nunca existiu!
Às vezes, acontecem coisas que nos fazem pensar que a vida é uma
caixa de surpresas. Pois bem. Hoje, dia 27 de julho, darei uma palestra na
Biblioteca Municipal sobre o fazer do livro, durante a qual abordarei a
construção do Ajelasmicrim; com este texto ganhei o prêmio Off Flip de
Literatura em 2014. Dois dias antes, ao escrever o release da palestra, o
Facebook me exclamou que há exatamente 3 anos eu comemorava a
premiação na categoria infantojuvenil.
Naquele dia, tive uma das maiores emoções. A princípio, não acreditei
que seria possível ser contemplada em um concurso tão importante com um
conto que, na verdade, já não aguentava vê-lo mais. Foram 1.000 dias. Ou
seja, três anos de trabalhos quase diários sobre o tempo, desde que a ideia
começou a criar raízes em meu pensamento. Entretanto, se for um pouco mais
exata, o tema vagou dentro de mim por mais de vinte anos.
Foi assim. Quando eu era Orientadora Educacional em uma escola
particular no Rio de janeiro, há mais de vinte anos, acompanhava alunos entre
8 e 10 anos e uma das questões trabalhadas foi o tempo. Ah, eles não
conseguiam compreendê-lo, o que causava dificuldades na execução de
atividades, como ter 15 minutos para lanchar. Ou vinte para fazer um exercício.
Certa vez, conversando com eles em sala da aula, um menino disse que
compreendia o tempo quando fazia xixi porque entendia o iniciar e o terminar.
A inusitada situação foi entendida pela turma que passou a usá-lo melhor.
Fiquei tão surpresa e encantada com aquele insight que a ideia vinha à baila do
meu pensamento com frequência.
Anos mais tarde, conversei uma professora na Feira do Livro
Infantojuvenil que estava sentada à frente de uma pilha de livros, no estande
de uma editora, onde eu tinha um livro editado. A professora folheava um a um
e disse que precisava encontrar uma história que abordasse o quotidiano da
criança. Mais uma vez, a ideia do tempo me veio e eu me pus a pesquisá-lo.
Pesquisei muito. Passei por Einstein e Aristóteles, li e reli Uma breve história
do tempo de Stephen Hawking; estudei o universo; comparei as escalas de
tempo, como o geológico e o humano. Invadi a obra de Piaget e, desse modo
fui compreendendo a inexistência do tempo e que foi uma medida criada pelo
homem para organizar-se. Ou seja, precisamos construir uma noção de algo
inexistente ao longo da vida. Mesmo assim, ao findá-la, logicamente, não a
dominamos por inteiro.
Quando percebi que conhecia um pouco melhor a interação entre nós, os
humanos, e o tempo, comecei a escrever o texto. Na época, fazia uma oficina
de literatura infantojuvenil e as minhas amigas escritoras, Lila, Myryam e Sueli,
muito me ajudaram, lendo, corrigindo e apresentando sugestões. Como o tema
era sutil e delicado, minhas primeiras expressões foram em forma de versos.
Achei que poderia ser poeta e arrisquei. Até porque o tempo tem um quê de
poesia por ser uma ideia complexa e abstrata, além do que as palavras em
frases concretas pouco poderiam explicá-lo a uma criança de 8 a 10anos. O
tique-taque do relógio descrevia bem o passar das horas, por exemplo. Mas
não deu certo.
Fiz minicontos e frases soltas. Também não deram certo. Depois de dois
anos, tinha um emaranhado de folhas e não conseguia me organizar. Eram
ideias misturadas, truncadas e desestruturadas. Mas tinha o nome do texto:
Ajelasmicrim. Acreditem que levei mais de três meses para ´criar uma palavra
que explicasse de alguma forma a percepção do tempo para a criança.
Abriram as inscrições do concurso Off Flip de Literatura e a Lila insistiu
para que eu me inscrevesse, justificando que as ideias que tinha eram boas e o
nome Ajelasmicrim era bem criativo.
Então, eu me fechei no escritório e me pus a escrever sem saber como
começar. De repente me veio à cabeça que poderia fazê-lo em estilo
dramatúrgico já que eu tinha facilidade com diálogos.
E, assim o fiz. Criei dois personagens. Um avô e uma neta e reuni todos
os conceitos que tinha do tempo da seguinte forma: o que é o tempo; como é
percebido; sua passagem; as transformações que sofremos ao longo dele.
Depois de ter recebido o prêmio, iniciei outro trabalho: a construção do
livro. Havia apenas uma pessoa nesta minha vida que poderia fazê-lo. Minha
filha amada que desenhava formas abstratas como ninguém, na minha visão
de mãe boba. E foi um ano de trabalhos intensos, numa aventura para mim
inédita pois nunca havia produzido um livro.
Enfim, a coincidência de datas me chamou a atenção. A emoção de ver
no Facebook esta lembrança, me fez retornar três anos numa fração de
segundos e rapidamente vivenciei tudo novamente. Ou seja, o passado e o
presente se fundiram numa emoção. E o tempo, inexistiu!
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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