Colunas
Antes da eternidade
Ele não é covarde. É apenas um de nós. Não tem malas prontas, o que é uma
situação banal para a Pessoa do Fernando. Se percorresse ruas com pés descalços, é
possível que ache uma ideia interessante. Um tímido mote, talvez. Quem sabe uma
musa de seios fartos possa lhe inspirar. Ou um velho de barbas e com ele possa
conversar. Pode até ser que a batida do rap lhe cause um encanto invulgar. Ora, sem
sapatos, não precisará de piedades. Poderá ser um tanto quanto razoável caso venha a
se lastimar numa esquina sombria para desabafar a ausência de ideias. Pelo menos, é
preferível esquecer palavras do que não tê-las.
Se um escritor sem sonhos for pontualíssimo, jamais conseguirá usar os
superlativos de José Dias. Ah, quem não tem imaginação pretende ser efêmero, como
qualquer mortal. Caso a tenha, entretanto, poderá se eternizar. Ah, o jovem Casimiro
de Abreu quantas saudades tinha da aurora da sua vida! Eternizou-se por elas. Há
quem ache bom findar e um devaneio pode lhe ser essencialmente trágico. Saber usá-
lo, ainda mais.
Quem olha de esgueira tem a cabeça vazia e quer esconder o olhar. Um olhar
disfarçado quer achar algo original. Quem olha de frente não vê corretamente os
momentos. Todavia de esgueira!, deseja perceber as linhas tortas do tempo e de todas
as coisas. É no desajeitamento que repousam calmamente os melhores pensamentos
que sempre estão além do bem e do mal. É no desconhecimento brutal do destino que
as ideias vivem colidindo entre si para buscarem a impossível nitidez de ser.
Nenhum outro pode autorizá-lo a ser escritor, este pobre desconhecido em sua
unidade tem insônias. Enquanto for tão geográfico e situado não vai conseguir dormir
em paz. Ele é como tantos. Se na sua frente há folhas de papel em branco, vagando
pelo espaço minuto após minuto, cinco horas são nada e serão o mesmo de dez. Em
vinte e quatro, as páginas tendem a permanecer silenciosas sem os ruídos do
nascimento, nem com o choro da fome. Continuarão a ser folhas descoloridas. Se
novas ou manchadas de amarelo, vagarão em suas mãos. Qualquer ideia nunca será
uma boa ideia. E... Cadê ela? Poderá estar no final do túnel? Ou no rabo da lagartixa
que foi cortado pelo arame. Aqueles répteis têm o poder mágico da regeneração;
conseguem renovar o próprio corpo. Renascem.
Não adianta usar os óculos se tem vendas e sua alma é cega. É inútil ter seus fios
embaraçados, uma vez que os fios enrolados podem esconder ideias genuínas. As
almas são como palheiros, cheias de cantos e meandros que as escondem. Têm
pluralidades. Têm delírios. Como é bom desenvolver o hábito procurar agulhas.
O escritor guarda esperanças nos bolsos da calça jeans para não desejar
demasiadamente a morte da literatura. Se morrer, ele sentirá o alívio de não precisar
catar ideias. Também, poderá morrer como escritor e tudo ficará na mais perfeita
ordem. Se bem que esta é uma esperança em vão porque a literatura nasceu com o
surgimento do homem que desde sempre quis contar histórias. A sua. A de seu povo. A
do seu pé achatado. Que precisou explicar a vida, usando palavras eruditas ou débeis.
A literatura nunca findará! Este, é o seu pior pesadelo. Mesmo que se acalente com a
vontade de ser o último dos escritores.
Uma noite de sexo intenso pode ser produtiva. Depois de ver estrelas, gesta-se
como tal. Escritores férteis se fazem nos solstícios de verão quando os duendes e os
delfos ficam soltos, germinando a vida. Decorrem de seus próprios gozos superiores.
Caso esse gozo seja fraquejado ou sem graça em sua cadência, ah, o escritor pode
nascer atarracado. Assim, apático de ideias. Pobre...
Mas o exercício de ser escritor. Exaustivo. Autônomo. Pode permitir que sua vida
seja um acerto. O que não deve é ele ser vítima de si mesmo e conformar-se que suas
ideias sejam efêmeras.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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