A literatura está em tudo o que nos cerca

quarta-feira, 05 de julho de 2017

Um tema precisa me tocar para que eu possa escrever uma coluna. Este

toque é uma ideia inspiradora que pode vir todos os lados. Ah, a literatura está

em tudo o que nos cerca. Agora mesmo, ao abrir meus e-mails, vejo o livro da

minha amiga e mestra, Anna Cláudia Ramos, que acaba de lançar, sobre a

auto aceitação na adolescência, tema que me interessa e desperta a escritora

que existe em mim. Mas, hoje, quando acordei, estava mesmo tocada para

escrever sobre o aconchego de um lugar que nos dá vontade de ficar com o

livro nas mãos.

Foi isso que aconteceu neste final de semana de frio e chuva, no Rio de

Janeiro. Eu estava com tempo e sem preocupações, o que me fez permanecer

enrolada nas cobertas, durante a tarde, com o livro de Mia Couto nas mãos,

UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA, lendo as últimas

páginas, refletindo sobre a vida fictícia daqueles personagens que vivam num

lugar chamado Luar-do- Chão. Lendo, pensava de forma inédita e relacionava o

enredo com os fatos reais, inclusive os da minha vida, de modo que tudo ao

meu redor deixasse de ter movimento. O barulho da rua que adentrava meu

quarto pela janela ficou calado e o tempo ficou esquecido nas gavetas do

armário, enquanto as palavras de Mia iam me enlaçando.

Não tive vontade de sair do quarto. A luz da cabeceira e a leveza das

cobertas me aconchegavam. Eu, enrolada num tecido de algodão oriental,

sentia as frases me rondarem, trazendo meus avós, meu filho e pessoas

queridas que já tinham partido. Mas, na verdade, ainda estavam

completamente vivas dentro de mim. E Mia me mostrava que as pessoas não

morrem de todo, ficam vivas, falantes, com olhos e braços abertos. Na

verdade, somos nós, os vivos, que partimos para as nossas próprias vidas, e

que os deixamos na beira de rios para mergulharem na eternidade. E, eles, no

tempo infinito, continuam a nos vestir com sedas; gostam de nos embelezar.

Ler e viver têm intensidades diferentes. À noite, saí para jantar na casa de

uma das melhores amigas da mamãe. Minha mamãe querida, uma jovem

idosa, com uma vontade de viver maior do que o mundo, me fez reler, lá

mesmo, diante dela, as linhas do livro.

Será que minha filha vai sentir o mesmo quando, daqui a um tempo, olhar

para mim? Será que me deixará na beira do mar de Ipanema ou no alto do

Caledônia? É muito bom termos onde deixar nossos entes queridos. Melhor

ainda é sabermos que alguém tem um lugar para nos deixar.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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