Colunas
A literatura está em tudo o que nos cerca
Um tema precisa me tocar para que eu possa escrever uma coluna. Este
toque é uma ideia inspiradora que pode vir todos os lados. Ah, a literatura está
em tudo o que nos cerca. Agora mesmo, ao abrir meus e-mails, vejo o livro da
minha amiga e mestra, Anna Cláudia Ramos, que acaba de lançar, sobre a
auto aceitação na adolescência, tema que me interessa e desperta a escritora
que existe em mim. Mas, hoje, quando acordei, estava mesmo tocada para
escrever sobre o aconchego de um lugar que nos dá vontade de ficar com o
livro nas mãos.
Foi isso que aconteceu neste final de semana de frio e chuva, no Rio de
Janeiro. Eu estava com tempo e sem preocupações, o que me fez permanecer
enrolada nas cobertas, durante a tarde, com o livro de Mia Couto nas mãos,
UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA, lendo as últimas
páginas, refletindo sobre a vida fictícia daqueles personagens que vivam num
lugar chamado Luar-do- Chão. Lendo, pensava de forma inédita e relacionava o
enredo com os fatos reais, inclusive os da minha vida, de modo que tudo ao
meu redor deixasse de ter movimento. O barulho da rua que adentrava meu
quarto pela janela ficou calado e o tempo ficou esquecido nas gavetas do
armário, enquanto as palavras de Mia iam me enlaçando.
Não tive vontade de sair do quarto. A luz da cabeceira e a leveza das
cobertas me aconchegavam. Eu, enrolada num tecido de algodão oriental,
sentia as frases me rondarem, trazendo meus avós, meu filho e pessoas
queridas que já tinham partido. Mas, na verdade, ainda estavam
completamente vivas dentro de mim. E Mia me mostrava que as pessoas não
morrem de todo, ficam vivas, falantes, com olhos e braços abertos. Na
verdade, somos nós, os vivos, que partimos para as nossas próprias vidas, e
que os deixamos na beira de rios para mergulharem na eternidade. E, eles, no
tempo infinito, continuam a nos vestir com sedas; gostam de nos embelezar.
Ler e viver têm intensidades diferentes. À noite, saí para jantar na casa de
uma das melhores amigas da mamãe. Minha mamãe querida, uma jovem
idosa, com uma vontade de viver maior do que o mundo, me fez reler, lá
mesmo, diante dela, as linhas do livro.
Será que minha filha vai sentir o mesmo quando, daqui a um tempo, olhar
para mim? Será que me deixará na beira do mar de Ipanema ou no alto do
Caledônia? É muito bom termos onde deixar nossos entes queridos. Melhor
ainda é sabermos que alguém tem um lugar para nos deixar.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário