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Nova Friburgo: uma cidade de muitos povos
Ricardo Lengruber
No dia 16 de maio de 1818, D. João VI assinou um documento para a vinda de famílias provenientes da Suíça rumo ao Brasil. Chegaram por aqui somente em 1819. E, como cidade mesmo, Nova Friburgo só foi emancipada mais tarde, já na República, em 1891.
O dia 16 de maio, portanto, é muito mais simbólico que histórico. Mas é uma data cuja memória pode potencializar muita coisa interessante para essa Nova Friburgo de quase dois séculos depois.
Quando se celebrou o centenário, em 1918, insistiu-se na tese da "suíça brasileira". Houve uma construção histórica motivada em forjar uma identidade (que não correspondia exatamente a realidade histórica da cidade).
Afinal, uma "suíça" exclui muito mais que inclui, a despeito da rica e necessária preservação inclusive dessas origens helvéticas mais distantes.
Nos preparativos ainda tímidos para a celebração dos duzentos anos, é preciso ir além dos equívocos construídos no centenário. É preciso inclusive revisitar essa história contada pela metade e redescobrir uma Friburgo cheia de surpresas.
Primeiro, é urgente revisar as origens suíças sim, mas identificar seu alcance e sua extensão. Segundo, identificar as tantas outras presenças imigratórias recebidas.
Por fim, mas não menos importante nesse rico cenário de tantas faces, revolver a terra batida pelo tempo e pelas ideologias cultivadas no período posterior à abolição da escravatura, e redescobrir índios e negros por essas terras e peles e sangues.
Além de fidelidade a história, teríamos a chance inédita de trazermos para o debate tanta gente e tantas heranças jogadas pra debaixo do tapete ao longo do tempo.
Para nossa sorte, a Santa Doroteia fechou suas portas mas deixou uma pequena legião de historiadores interessados e dispostos a revisitar essas mil e uma histórias e documentos e testemunhos do passado.
A celebração dos duzentos anos, para além da festa, será a oportunidade que teremos de pensarmos juntos sobre nossa cidade. Sobre a cidade que sonhamos. A cidade que precisamos. A cidade onde haja espaço e oportunidade para todos.
Para isso, todavia, é preciso começar pelas origens e dar voz a quem nunca teve. E fazer dialogar cores e credos diferentes.
Isso não se fará sem crises e sem dores; afinal a história das populações escravas não é feita apenas de tradições; há muito sangue ainda sem ser honrado. Mas esse esforço é indispensável para quem deseja conhecer de verdade.
Nos duzentos anos, em vez de reiterar os mitos do passado, talvez seja a oportunidade de começarmos a construir uma nova auto-imagem, de uma cidade de muitos povos, de muita gente; um encontro de diferentes que souberam construir um lar pra viver, incluindo uns e excluindo outros. Mas, a exemplo do Brasil como um todo, experimentando uma "convivência".
Acho que é isso. Temos nas mãos a chance de nos redescobrirmos. E, quem sabe, nos reinventarmos.
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