Colunas
O dia em que Deus se ausentou
No céu de estrelas de outubro, exatamente no mesmo teto azul de julho, tudo parou. Tudo, absolutamente, tudo paralisou. As borboletas dos campos sem flores; os discursos que disparam balas nas favelas; as ondas dos mares do Pacífico e do Atlântico; os braços abertos para outros abraços; os icebergs que viajam para encontrar seus Titanics; os lápis dos dedos dos analfabetos funcionais e dos que não sabem escrever o que ditou o amor. Tudo simplesmente parou. O que é bom e ruim. O que é aceito e o que não é aceito. Sem virtudes ou pecados. Sem absolvições ou condenações.
Quando Deus se ausentou, nem houve a pergunta sobre por que Ele se ausentou. Como se ausentou. A paralisia também cessou os lábios, as palavras, os sentimentos que reavivam e os que corroem também.
Perguntamos tanto onde está Deus. Procuramos nos céus, para além da Via-Láctea, para o centro da Terra. Vasculhamos nos textos antigos e até na física quântica. Mas não olhamos para dentro. Dentro de nós e na soma de todos nós - Ele. Esquecemos de perceber que Ele está em nós, por nós, entre nós, somos nós na tarefa de desatar os nós.
Quando paralisamos, Deus se ausenta. Não é Deus que erra. Somos nós!
Quando Deus se ausentou, o relógio parou às 23h59 daquele dia. O fim do mundo não veio no dia que Nostradamus teria previsto. Os polos terrestres não derreteram, tampouco bolas de fogo caíram nas nossas cabeças e dos gados também. Os buracos negros das galáxias não se alimentaram de nossos corpos, nem extraterrestres escravizaram a humanidade. Tudo simplesmente parou. Pausa. Para os que pecam e para aqueles que acusam os pseudo-pecadores. Na paralisia, nem vilões ou heróis. Todos plenamente iguais, preservadas intactas as suas essências que unidas constroem o coletivo de individualidades.
Mas a história do tempo fez todos esquecerem. E o tempo, para todos parou. E, na paralisia de quem não vê, forçou-se a mudez, o congelamento dos membros, a surdez. Só o coração manteve-se comprimindo e exprimindo. Ninguém morreu. Todos percebem a presença da ausência ao parar... O completo que vem do vazio. Forçados a parar para sentir? Sentir se partir para tomar partido. No dia seguinte ao sem Deus, surgirão todos nós. Porque sem nós, não há Deus.
Já são zero hora e um minuto. Teremos desatado os nós?
Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário