Os jovens escritores e seus olhos alados (O nosso Hart)

sexta-feira, 31 de março de 2017
Foto de capa

No final de semana, no Rio, caminhando na beira do mar e observado o movimento da maré que levava e trazia as ondas, refleti sobre este momento especial que a Academia Friburguense de Letras vive. Ao abrir suas portas e janelas para a cidade, tornou-se enfeitada pela juventude. Eles, como todos nós, os escritores, são observadores por essência; querem compreender as causas das diferenças. As semelhanças não nos tocam da mesma forma e dá-nos poucos motivos para escrever. A diferença nos espanta e nos faz ir além da percepção; cria em nós a necessidade de registrar as emoções que emanam das distinções que separam uma coisa da outra, uma pessoa das demais e fazem de cada acontecer, por mais rotineiro que seja, um momento único. Somos seres separados e vivemos num mundo repartido.

Os olhos jovens têm o privilégio dos olhares iniciais. Têm espantos e encantamentos contundentes que os fazem escutar as vozes que emanam do próprio inconsciente e do imenso coletivo. Seus olhos têm sabedoria ingênua e esperançosa, suas inconformadas visões os tornam poetas e prosadores. Assim, em palavras tornas e linhas curvas, eles, de formas únicas, excepcionalmente diferentes, exaltam tudo. Neste tudo, dentro do qual estamos inseridos, sempre tão cruel, quanto acolhedor, são apaixonados pela vida. Em cada texto, o escritor vai se posicionando na beira de caminhos e equilibrando-se, vai se acostumando com a sonoridade das letras e o significado das palavras.

Os jovens escritores são despretensiosos. As intenções primeiras, carregadas de sensibilidades, revelam o querer entender as contradições e discrepâncias da vida para encontrarem os sentidos da sua própria existência.  Seus olhares notam os detalhes, os contornos das circunstâncias que revelam, em suas mais delicadas sutilezas, as essências das coisas.

Seus olhares alados, sobem ao firmamento para verem do alto o acontecer. É o sobrevoo sobre si mesmo. O olhar de afastamento que tanto Umberto Eco valorizava. O longe tem lentes de aumento; ressaltam muralhas, cores e caminhos.

E, exatamente neste momento de escrita, quase no final deste texto, choro a perda inesperada do nosso Hart. Ah, o nosso acadêmico querido, meigo, amigo e dedicado. Padrinho da Ania, a promissora jovem escritora que toma posse. Esta perda sofrida me reforça todo este pensamento. Quando nossos olhos alam, viajam da alma ao universo e conseguem ver a beleza das pessoas que estão perto de nós.

Num misto de alegria e tristeza, vamos dar a benção, enquanto voto de felicidade, aos jovens escritores que se tornarão acadêmicos na sexta-feira. Para nós, cada um deles será como uma obra de arte e é assim que vamos tratá-los.

Que os jovens escritores, diante da folha de papel em branco, cultivem as asas dos seus olhos.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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