Colunas
Acontecimentos exponenciais
As palavras também têm seu lado exponencial
Quando o número de pedidos se aproximava de um milhão, resolvi ceder a tanta insistência e iniciei meu blog na internet. No momento, só me lembrava de dois pedidos, mas, conforme nos ensina a matemática, os números se multiplicam exponencialmente, com muita facilidade e rapidez. Vocês sabem como é esse negócio de exponencial. Até eu sei, e olhe que eu sou o horror de ambas as matemáticas, tanto a antiga quanto a moderna. Para falar a verdade, se Cláudio Costa e Júlio Tessarolo, meus principais professores de matemática, tivessem levado a coisa a sério, eu estaria na 5ª série ginasial até hoje.
Mas exponencial é o seguinte. Um sujeito inventou o jogo de xadrez e foi mostrá-lo ao imperador. O qual ficou maravilhado com o jogo e mandou que seus assessores comprassem aquela invenção extraordinária. O inventor, ao ser consultado sobre o preço, pediu dois grãos de arroz na primeira casa do tabuleiro, quatro na segunda, oito na terceira e assim por diante, até a 64ª. O imperador achou que aquele súdito era maluco ou idiota. Pedir quase nada por algo que poderia lhe render uma fortuna.
Pouco tempo depois, os assessores voltaram ao imperador, para lhe dizer que todo o arroz do reino já pertencia ao inventor do xadrez que, pelo visto, entendia de matemática e sabia o que era número exponencial.
Assim sendo, iniciei meu blog bastante esperançoso, mas parece que a matemática resolveu vingar-se de mim pelo muito que desfaço dela. Talvez seja por causa de uma piada que fiz com um grupo de professores, aos quais declarei que saber matemática não é uma qualidade, mas um distúrbio da personalidade. Na hora todo mundo riu, mas com certeza depois fizeram alguma mandinga contra mim, tanto que o blog pouco passou dos dois visitantes iniciais: minha mulher (que o faz por obrigação conjugal) e um desconhecido (que errou o endereço).
Em todo caso, não me arrependo. Tirando as piadas de falsa modéstia, até que as visitas iam pingando aos poucos. Não cheguei a ter um milhão de seguidores, mas também não fiquei na estaca zero. O brasileiro lê pouco em jornal, pouquinho em revista e quase nada em livro. Não há de ser na internet que ele vai se apaixonar pela leitura, a menos que sala de bate-papo seja considerado leitura. Outro dia, um rapaz me surpreendeu ao citar uma frase de Nietzsche (“Tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo”). Perguntei-lhe onde ele tinha lido aquilo, e ele me confessou que na porta do sanitário de uma rodoviária e que o sujeito que o escrevera tinha acrescentado ao pensamento do filósofo alemão este pensamento de sua própria lavra: “Foi o que concluí ao sentar neste vaso, depois de três horas dentro de um ônibus sem banheiro”.
Enfim, não foi por falta de leitores que desisti de tão prestigiado blog. O fato é que, sendo eu avesso à tecnologia, levava mais tempo para anexar um texto do que para escrevê-lo. Tendo em vista a relação custo-benefício, cheguei à conclusão de que cada escasso leitor estava me custando quase uma hora de trabalho. E sendo a vida curta, como de fato é, cada segundo é precioso demais para ser perdido em brigas com o computador.
Falar em custo-benefício me fez lembrar de um fato ocorrido na família de ... Limitemo-nos ao milagre, sem dar nomes aos santos. Deu-se que a filha foi visitar os pais, o que era ótimo, acompanhada da filharada, o que já não era tão bom, e do marido, o que era péssimo. Mas eis que o genro surpreende o sogrão, saindo todos os dias de manhã e voltando pouco antes do almoço, não sem antes ter passado pelo armazém e o açougue do bairro. Contrariando a fama de unha de fome, não chegava com pouca porcaria. Vinha sempre com as mãos cheias, sobretudo das mais variadas carnes. Almoçava bem, e merecia. Tomava seu traguinho e ia dormir com a consciência tranquila dos que não pesam no orçamento alheio.
Quando a parentalha se despediu, o sogro chegou a lamentar a perda das lautas refeições que o visitante lhes vinha proporcionando. Com certeza vocês já adivinharam: findo o mês, tanto o armazém quanto o açougue apresentaram a conta, que foi paga em seis prestações e com muitos palavrões.
Agora, de como essa conversa que começou com um blog terminou com contas a pagar, não tenho a menor ideia. Talvez seja porque as palavras também têm seu lado exponencial, mas, ao contrário do que acontece com os números, que são exatos e previsíveis, elas tendem a se multiplicar desordenadamente. Uma palavra puxa outra e no fim... Bem, vocês acabam de testemunhar o desastre que pode acontecer quando as deixamos correr soltas, governando o pensamento, ao invés de serem por ele governadas.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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