Colunas
A violência velada
Uma homenagem a Zigmunt Bauman falecido em janeiro de 2017
A violência velada existe. A palmatória foi abolida, a vara de marmelo também. Ninguém mais admite bater com uma régua na cabeça dos alunos e colocá-los de joelhos sobre caroços de milho. Beliscão ficou fora de moda e é contra a legislação, assim como os “cocorotes” que caracterizavam as ações enérgicas de alguns mestres e mestras da década de 1930.
Mas, a violência velada, aquela que não deixa marcas a não ser no interior dos corações e mentes, continua fazendo a festa em muitas salas de aula. Ela é a responsável pelo troco que alguns recebem quando, à imagem de vulcões em erupção, deixam vir à tona as lavas da revanche.
A violência velada é recheada de candura e provoca até risadas em sala de aula, menos para a vítima. Ela é processada assim:
- Farei uma pergunta para vocês, muito fácil e até ingênua, porém, quem não souber responder é de extrema burrice. Sinta-se uma “anta”, quem não souber a resposta.
Em seguida o mestre começa a andar pela sala procurando a vítima. Ora vira-se para o grupo da esquerda, ora para o grupo da direita. Finalmente corre em direção à suposta vítima, disfarçando em seguida e voltando-se para o local da classe onde saíra, indicando com o dedo quem é o escolhido para dar a resposta. Se houve acerto, tudo bem, se errou a classe inteira passa a chamar este aluno de todos os apelidos pejorativos.
Analisando a prática verificamos que todos os alunos foram submetidos a uma atmosfera de medo. Desde o anúncio, até o momento da escolha de alguém, estabeleceu-se a tortura diante da possibilidade de ser escolhido e não saber a resposta. Depois vem o ridículo. A pessoa é colocada em estado de ridículo, é motivo de pilhéria por parte dos colegas.
No corpo, as marcas não ficam; no interior elas machucam. Muitos alunos passam a rejeitar um professor ou professora, a detestar uma disciplina e, no futuro, podem escolher uma carreira profissional só porque aquela disciplina em que era vitimado pela violência velada está fora do currículo.
Muitos danos que não aparecem à vista. O maior problema gerado pela violência velada é que as reações a ela são vulcânicas. Muitas vezes um aluno ou aluna agride uma pessoa, podendo ser outro professor da mesma disciplina em série diferente e a origem está naquela raiz deixada pela imprudência de um relacionamento equivocado.
Quando nos relacionamos com as pessoas é necessário pensar no gesto, no olhar e nas palavras. Nem todos interpretam do mesmo modo nossas atitudes.
Nós não temos necessidade de colocar outros em estado de ridículo para nos transformarmos em autoridade na disciplina que lecionamos. A aula criativa, a avaliação bem feita e que desenvolve a capacidade de pensar produzem mais frutos que o sistema negativo que muitas vezes usamos.
A raiz da violência pode estar na sociedade, nas próprias pessoas dos alunos, em suas famílias e, também, nas nossas atitudes pouco pensadas.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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