Quebra-cabeça

sábado, 01 de outubro de 2016

Quando eu não tenho nada a dizer ainda sim digo. Talvez seja uma necessidade ou simplesmente o meu modo de tentar se encaixar no mundo. Às vezes, parece que não tenho o formato da peça que se encaixa nesse grande e complicado quebra-cabeça. Por isso, em muitas horas, me sinto sozinho, um pouco solitário, ainda que alguns me ofertem companhia. Não quero a oferta de mãos dadas, sem que se possa de fato compartilhar. Não quero os abraços apenas para me proteger e proteger alguém. Quero mais do que proteção ou privilégio de não estar sozinho.

Não tenho muito tempo, como ninguém tem, mas ainda sim tento fazer dele meu brinquedo, ainda que nem sempre brinque. Esqueço-o na caixa de coisas velhas e inúteis. Mas como em muitas outras situações sempre acabo me vendo vasculhando a caixa de coisas velhas e inúteis, procurando algo que sei que está lá, mas que parece não querer ser achado. Foge de mim ou talvez eu não saiba enxergar.

 Faz tempo que não escrevo cartas, faz dias que não coloco para fora aquilo que sinto. Tenho tanta vontade de fugir, caminhar por aí pela noite de folhas que me varrem sem destino. Outras vezes quero gritar, uivar como um lobo em sua prece de busca pelos seus e por si mesmo. Em outros momentos quero apenas sentar num balcão e tomar café com um desconhecido.

Já nem sei se realmente conheço meus conhecidos. São todos estranhos ao ponto que todos os meus textos são cartas abertas endereçadas a mim mesmo. E somos todos tão iguais, ainda que uns menos perdidos que outros, mas todos sempre à procura.

 As multidões podem te seguir e você estar rodeado de muitas pessoas e ainda sim se sentir solitário. É como se você não se encaixasse ou tudo aquilo que lhe rodeia não se encaixasse a você. Não, não se trata de estar vazio ou se sentir completo. É mais complexo que essas teorias de amores perfeitos e vidas sem imperfeições.

Essa tal perfeição... Invade e nos envenena. Se não fossem os desejos, seríamos mais livres?

O que é que eu estou dizendo? Não sei, talvez esteja inventando, solucionando os meus dias, minha existência como se tudo pudesse ser uma equação matemática. E o resultado não vem ou quando chega é igual ao infinito. E tudo que é infinito é tão misterioso, incerto, desconhecido.

Eu não tenho medo do desconhecido, mas não escondo a ansiedade em desvendá-lo logo. Odeio a espera, mas confesso que a melhor parte de descobrir é quando ainda se está no caminho da descoberta. Colombo quando descobriu a América e Cabral o Brasil, provavelmente se emocionaram mais com a jornada do que com a chegada, ainda que soubessem que a glória mora no final, mesmo que a felicidade estivesse no percurso.

 A caminhada é repleta de esperança e cada passo deixado alimenta a saudade. Voraz e fugaz. Tudo é tão passageiro que passageiros nesse sonho viajamos sem perceber que a viagem é a vida que nos permitimos conceder. Dividimos para somar em nós mesmos o que somos, porque o que temos fica e não dá para guardar nada além do que podemos levar no coração.

 Nossa história, por mais que escrita de forma distinta e única, será igualmente um misto de opostos que contracenam provocando turbilhões de sentimentos que nem sempre ou na maioria das vezes não se explicam.

 Tentamos a todo custo buscar o espaço que nos abrace, não por proteger, mas que nos torne realmente parte dele. Não queremos apenas companhia para não ficar sozinho. Moldamos-nos para ser a peça que se encaixa, mas o quebra-cabeça do mundo nos cospe. Seria pior se ele apenas nos ignorasse. Sobrepomo-nos, nos escondemos para debaixo de tudo, damos um jeito de ser parte do mundo, mas tem vezes que não dá...

 Sei lá, talvez eu seja um fugitivo incurável ou simplesmente seja só isso: não tenho nada a dizer e ainda sim digo. É a forma que encontro de me colocar no mundo.

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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