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Os escritores são como andorinhas, revoam
Por que nos tornamos escritores?
Pensando nesta questão essencial, escutei, na televisão, por acaso, um comentário sobre a revoada das andorinhas na primavera. Numa intuição, apenas, comecei a relacionar os escritores às andorinhas.
Estas aves migratórias são tal como o escritor que habita temporariamente nos textos que constrói quando ara a terra com ideias, levanta paredes com palavras e reflete sobre as virtudes da vida. Em cada página, aproveita os dias ensolarados, admira as alvoradas e descreve os pores do sol. Quando o texto está pronto, emigra para outra página em branco. Não fica sem destino.
Escritores e andorinhas são seres de bandos. Mas existe uma diferença interessante entre nós: elas as voam em conjunto, e nós escrevemos sozinhos. Entretanto, por sermos solitários, precisamos da solidariedade de outros escritores e, neste momento, encontramos nosso bando. Um momento de reconhecimento. Um escritor entende outro como ninguém; sabe o quanto é sofrido elaborar um texto, seja uma crônica como esta. Não é mágico para, num dedilhar o teclado do computador, produzir um texto magnificamente elaborado. Ora, isso não existe! É preciso pensar, pesquisar, errar, apagar, começar de novo, vencer medos e superar a agonia diante da página em branco, pronta para acolher ideias nascentes. E as dificuldades em atribuir títulos? Esta crônica ainda não tem. Eu, particularmente, preciso criar um para me orientar e, aqui, escrevi Andorinhas com letras garrafais, embora saiba que não é definitivo. Um bom título leva tempo, pode até render uma noite em claro. Por sorte, amanhã vou estar com meu bando e conversar a respeito, escutar opiniões, receber críticas, às vezes severas. Mas ao final, com certeza, estarei inteira e fortalecida. Pronta para emigrar. Quem sabe pousar na África de Mia Couto? Que belo escritor!
As andorinhas são aves do equinócio; partem no começo do inverno para evitarem o frio e, ao retornarem no início da primavera, anunciam o tempo da fertilidade, como dizem os chineses. Nós, os escritores, gestamos ideias. Às vezes, surgem por acaso, numa escuta desinteressada, como esta. As ideias, impetuosas ou tímidas, precisando ganhar forma e força, costumam rondar nosso pensamento, às vezes até chateiam. Qual o escritor que não toma banho com elas? De repente, notamos que estão entranhadas em nós, às vezes tão encravadas, que chegam a estar na manteiga que passamos no pão. Desviam nossa atenção de tudo, perturbam a ordem e arranham as conversas. Manoel de Barros sabia disso muito bem. “Só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio.”
As andorinhas significam o eterno retornar. Quem escreve se refaz a cada texto. Quero dizer que, ao considerá-lo razoavelmente pronto — um texto nunca está pronto —, é uma pessoa diferente da que começou a fazê-lo. As ideias têm o poder de filtrar o sangue; são transgressoras.
Estas aves de pequeno porte são muito conhecidas. Tanto assim o são que se tornaram figuras populares nas tatuagens. Os leitores cultivam seus autores preferidos, colocando suas obras em lugar de destaque nas estantes ou em pastas especiais nos computadores. Chegam até a guardar seus pensamentos, como o que escrevi de Guimarães Rosa na primeira página da agenda, “... Qualquer amor já é um pouquinho de sanidade, um descanso na loucura”.
Bem, se continuar, escreveria um tratado a respeito desta relação iluminada, falaria sobre a boa sorte, o amor e a fidelidade. Também sobre vidas e revoadas. A elegância e a beleza. Sobre o azul e ...
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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