Colunas
Os solitários solidários
Quero convidar os escritores de Nova Friburgo a se sentarem à mesa comigo para continuarmos a conversa. A primeira que aqui tivemos, na semana passada, foi produtiva, acredito.
Depois de servir um café com panquecas de mel, vou dizer que desenho a vida com palavras. Digo desenhar por causa das cores vivas; as palavras coloridas dão mais evidência aos sentimentos e aos fatos. Se o faço, sinto-me fiel ao leitor e dele não me divorcio. Ah, meu leitor é gente e precisa de cor, inclusive dos tons de cinza.
Nós, os escritores, não sei se concordam, temos a necessidade de nos perguntar e perguntar ao mundo quem é nosso leitor que, coexistindo num mundo dinâmico e mutante, se transforma constantemente. Num dia, precisa nadar nas profundezas dos oceanos; noutro, caminhar em estradas pavimentadas. Ainda, nas madrugadas frias, de sol quente.
Ah, não é fácil escrever. Por acaso, fazê-lo é uma virtude? Sempre me faço esta pergunta nos momentos de vigília. Na maioria das noites penso que sim porque costuramos os retalhos da vida, aqueles pedaços de tecido que caem no chão, enquanto sobras de vestimentas e agasalho. Somos mestres em registrar emoções e colecionar memórias.
Perdão, posso não estar sendo objetiva. Sabe, gosto de metáforas e não sei escrever sem elas. São enfeites; meus brincos e colares. Confesso que sou um pouco vaidosa e meus textos têm de mostrar este jeito, que traz um quê de lucidez e liberdade. Loucura, talvez.
Escrevo para crianças e jovens. Muitas pessoas dizem que escrevemos historinhas. Entretanto, poucos sabem que habitamos num enorme laboratório de palavras e ideias, onde testamos inúmeras combinações para sermos atraentes ao nosso leitor, sempre exigente. Um texto descolorido, chato e repetitivo acaba sendo esquecido na estante ou fechado em caixas de alumínio. Além de tudo, eles precisam de nós para entenderem um pouco melhor as coisas da vida.
Nossas histórias, se encantadoras, instigantes e surpreendentes, consideram que ele está mergulhado num mundo multifacetado de informações, desafiador, que às vezes o trata mal e o faz chorar. O leitor sobrevive num mundo onde a verdade precisa ser decifrada e procurada como as peças de um quebra-cabeça, onde o futuro não tem cuidados, nem escrúpulos para dar-lhe as costas. E, para não ser totalmente pessimista, a vida tem uma beleza estonteante; os poucos campos de lírios que possui são lugares de simplicidade e aconchego.
Ah, nosso leitor é a produção mais nobre da vida, um ser de delicadeza extrema. Ao mesmo tempo que nos oferece fácil acesso, nos traz um desafio imenso: em cada texto, devo deixá-lo descobrir última palavra. E esta última está dentro de uma caixa de vidro que precisa ser quebrada com martelo de borracha. Não posso ser uma escritora deslumbrada por ter livros editados ou suficientemente convencida de que sou, inclusive, a dona do martelo.
Ninguém nasce para ser escritor, é tolice pensar assim; nascemos para viver. Se assim nos tornamos é porque gostamos de sacrifícios, principalmente na nossa cultura e num país que pouco valoriza a arte, somos versáteis aventureiros e não podemos dispensar de dinheiro para viver.
O escritor tem algo de altruísta; gosta de pensar no outro. Aprecia a solidão, pois é um solidário solitário quando escreve. Fernando Pessoa poetou:
O poeta é um fingidor;
Finge tão completamente
Que chega fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve
Mas só as que ele não tem.
Assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Escrever não é natural, natural é viver. Embora não vivamos tudo o que queremos ou, pelo menos, do modo como sonhamos. Somos cheios de restos e escrevemos nossas sobras. Eu mesma escrevo para crianças e jovens, principalmente para a faixa etária de 8 a 10 anos porque sinto muita, mas muita saudade do meu tempo de criança, dos meus avós, dos meus primos e de todos os abacates dos quais me alimentei. E o abacate tem uma cor tão linda! E como nutre.
E, vocês, meus amigos, por que escolheram um destino tão árido e doce ao mesmo tempo? De que se alimentaram no passado para gostarem de lápis e papel?
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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