Boa educação

terça-feira, 08 de março de 2016

Hoje em dia, ser mal educado chega a ser prova de elegância e distinção

Meus amigos, confesso que sou do tempo da boa educação. Creio que vocês se lembram dessa expressão, embora ela tenha caído em desuso há pelo menos 20 ou 30 anos. Verdade que ainda podemos encontrá-la em livros antigos e talvez na boca de pessoas mais idosas. Mas o fato é que as palavras “boa” e “educação” parecem ter rompido definitivamente as relações gramaticais de vizinhança e amizade que as uniu por longo tempo. Agora dificilmente são vistas andando juntas. Não há o que estranhar nisso, uma vez que toda palavra se torna obsoleta quando deixa de existir o objeto ou o fato a que ela se referia. O mesmo aconteceu com o substantivo colete, provável razão de dar-se o nome de terno ao terno, ao qual atualmente mais acertado seria chamarmos de berno. E quem ainda acredita em abantesma, ou usa Brilhantina Glostora? Quem ainda pede a mão da noiva em casamento, se quando chega a esse ponto geralmente já levou a mão e tudo o mais?

Pois bem, a boa educação, se não está definitivamente morta (supondo que haja um modo de se estar morto que não seja o definitivo), encontra-se nos estertores finais, manifestando-se muito raramente e somente quando os saudosistas se reúnem e ficam se lembrando de coisas passadas e ultrapassadas.

Não falo dos jovens, que esses são os mesmos desde o princípio dos tempos. Não creio que os filhos de Adão e Eva esbanjassem bons dias e obrigados. O tal de Caim, esse então! Não sou dos pessimistas, que reconhecem ser a juventude a melhor fase da vida, mas lamentam que Deus tenha desperdiçado esse tesouro com os jovens. Ao contrário, acredito que juventude tem tudo de bom, exceto, é claro, boa educação. Mas nada é perfeito neste mundo.

O fato é que hoje qualquer madame se orgulha de ser tão moderna que usa com toda a naturalidade aqueles palavrões que antigamente só se viam escritos em banheiros públicos, e assim mesmo só nos banheiros masculinos. Pisamos nos jardins, jogamos lixo no chão, falamos alto em público e estacionamos em lugares proibidos. Se temos um somzão no carro, obrigamos o bairro inteiro a ouvir nossa música predileta, que é para todo mundo tomar conhecimento da nossa existência, opulência e bom gosto. Enfim, se a boa educação caducou, a sua contraparente, a falta de boa educação, essa sobrevive firme e forte e, para falar a verdade, nunca esteve tão atual. Hoje em dia, ser mal educado chega a ser prova de elegância e distinção.

Por exemplo, houve um tempo em que as solenidades de formatura tinham alguma solenidade. Não assim no Brasil contemporâneo, onde se tornou uma farra de alunos e um show pirotécnico de falta de bons modos. Na última a que assisti um grupo de neodoutores atingiu a perfeição; Quando uma formanda se levantava para apanhar o diploma, concomitantemente se levantava no meio dos rapazes um cartaz referindo-se a alguma parte da anatomia da moça. Nem vou falar quais, vocês são bem crescidinhos e já sabem essas coisas.

“A delicadeza é a suprema manifestação do espírito humano”, disse Albert Schweitzer. E se você nem sabe em que time esse cara joga ou de qual grupo de rock faz parte, aconselho que vá à enciclopédia e descubra.  Vale a pena porque, entre outras coisas, ele era um sujeito muito delicado. Hoje em dia ser delicado está tão fora de moda quanto o costume, mui econômico, de cerzir as meias quando elas furavam no calcanhar ou no dedão.

Não se deduza dessa ladainha que eu me julgue um sujeito bem educado, ai de mim! Duas gerações de mulheres – minha avó e minha mãe – bem que viviam me dizendo “Tenha modos, menino!”, “Se comporte, garoto!”, mas nunca alcancei seguir completamente os conselhos com que elas me cercavam por todos os lados.

Mas também não sou nenhum brutamonte, porque, como já nos dizia aquele poeta lá de Minas, “de tudo fica um pouco”. Sim, posso não ser a fina flor da boa educação, mas ao menos me lembro do que essa expressão significa e, o que não é pouca coisa hoje em dia, conservo alguns costumes anacrônicos, tais como não falar palavrão, dizer “com licença” e respeitar as filas. 

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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