Breve história de um servidor do povo brasileiro

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A condição de malandro federal lhe conferiu grande prestígio na sua cidade

Muita gente acha estranho que Waldisney, morando em Quixeramobim, no Ceará, ocupe um cargo de alto relevo e alto salário na Câmara dos Deputados. Quando os adversários o criticam por não comparecer ao local de trabalho, ele rebate com lógica admirável:

- Vocês sabem a distância entre Quixeramobim e Brasília? Quantas horas de avião, se daqui pra lá tivesse avião direto? Mas, para calar a boca dos invejosos, digo e provo que todo ano compareço à Capital Federal pelo menos uma vez. Verdade que nem sempre consigo ir à Câmara, por estar acompanhado de esposa e filhos, de modo que fazemos apenas um passeio cultural e uma visita ao nosso digníssimo deputado. Mas não tem um dia em que eu não pense naquela laboriosa cidade. Mereço meu salário!

Na verdade, Waldisney, sempre foi um predestinado. Basta lembrar que seu nome foi escolhido quando sua mãe, ainda solteira, indo pela primeira e única vez à capital, assistiu ao filme Branca de Neve. Encantada com o nome do autor daquela maravilha, memorizou-o como pôde e, anos depois, quando o filho veio ao mundo, não teve dúvida: Waldisney! No entanto, nome tão lindo não impediu que o menino ficasse conhecido como Vaval, que no Brasil não se respeita nada, nem o nome dos grandes de Hollywood.

Ainda criança, Vaval mostrou a que viera. No colégio, repetiu todas as séries possíveis, até ser expulso aos quinze anos, somente por ter levantado a saia de uma professora. Sem vocação para coisas inúteis como os estudos, conformou-se em trabalhar, tendo sido sucessivamente vendedor ambulante de sorvete, balconista de botequim, sapateiro, açougueiro e churrasqueiro. De todas essas ocupações enjoou rápido ou foi despedido por um desses patrões que acham que empregado é escravo e tem que chegar na hora, não furtar mercadoria, não beber em serviço.

Mas foi graças a ter atuado como ajudante de churrasqueiro numa festa do deputado Alexandrino Talarico Gomes que viu a sorte abrir-lhe os braços. Deu-se que o pessoal bebeu um pouco além da conta, e o churrasco terminou em briga feia, tendo nosso herói trocado uns tapas em defesa do Dr. Alexandrino, “mas sem segundos interesses”, como esclareceu muitas vezes depois.. Conquistou a gratidão do homem e, a partir daí, acumulou as funções de assessor, guarda-costas e proxeneta do chefe.

Candidato a vereador, tinha a promessa de 1755 votos, colheu míseros 82, em virtude de os eleitores serem todos “uma cambada de gente sem vergonha e sem palavra”. Assim desiludido com o processo eleitoral (“uma nojeira: só os safados e incompetentes são eleitos, com exceção do Dr. Alexandrino”), Vaval recorreu ao chefe, que prontamente arrumou-lhe uma boquinha em Brasília. Na verdade, um bocão, com a vantagem adicional de não precisar ir à Brasília.

A condição de malandro federal lhe conferiu grande prestígio na sua cidade, a ponto de negar-se a ser candidato novamente, ”para não me igualar a esses políticos sem estudo, sem princípios morais e sem vontade de trabalhar pelo povo”. E se lhe perguntam como pode morar na terra de Antônio Conselheiro e ser funcionário em Brasília, responde com altivez:

- Vocês pensam que Brasília fica ali na esquina? Ora, vão se catar!

 

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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