“¡Lo cuanto puede una mujer que llora!”

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Vendo alguns faroestes, é que aprendi a falar “¿Cómo te lhamas?”, “Buenas tardes” e “¡No dispares!”

Até hoje não sei. O que sei é que estávamos nós entre geografias e matemáticas quando o professor entra na sala e nos informa que vai dar aula de espanhol.  Espanhol?!  Foi a pergunta uníssona. Já àquela altura da vida sabíamos da existência de inglês, que víamos nos filmes americanos. “Play it again, Sam”, como diria Humphrey Bogart. Até sabíamos que o inglês era falado há muito tempo e em todos os lugares do mundo, tanto que até Jesus Cristo falava inglês nos filmes da Semana Santa. Mas espanhol! 

Consultando nossa pouca memória, descobrimos que nela constava a informação de que uns tantos pizarros, cortezes e córdobas haviam estado aqui pelas Américas, trazendo progresso e algumas gentilezas espanholas. O progresso foi tanto que todas as civilizações então existentes foram destruídas ou ficaram no bagaço. Quanto às gentilezas, uma delas era treinar cachorros para comer carne humana e soltá-los entre os nativos, de modo que se fartassem à vontade. Esses cães tinham até posto militar e recebiam o soldo correspondente.

Assim, acabamos vislumbrando o que seria essa língua que nos apresentavam de forma tão imprevista. Um colega mais inteligente do que eu (colega mais inteligente do que eu era o que não faltava na sala) achou logo a explicação para tamanha esquisitice. Havia um buraco no horário das aulas, por duas semanas tínhamos ficado com um tempo livre entre história e redação. Ora, a direção do colégio descobriu que um dos seus professores falava espanhol e, simultaneamente, descobriu como tapar aquele buraco.

Tivemos, pois, um ano de espanhol, ao fim do qual não hablavamos nada. Vendo alguns faroestes, é que aprendi a falar “¿Cómo te lhamas?”, “Buenas tardes” e “¡No dispares!” Geralmente o mocinho disparava assim mesmo e o mexicano caía morto, para grande alegria da garotada. Eu às vezes até ficava com pena dos bandidos. Mas também, quem mandou não saber falar inglês?

De tudo que li e ouvi naquelas aulas, só um verso me ficou na cabeça e até hoje vagueia pela minha memória. No poema, uma jovem adora o pássaro que ela mesma mantém preso na gaiola. Lá pelas tantas, com pena do bichinho, resolve soltá-lo. Mas, não resistindo à dor de perdê-lo, começa a chorar.

Vendo as sentidas lágrimas que escorriam pelo rosto de sua antiga dona, o pássaro faz um volteio no ar e, abrindo mão da liberdade, volta para a gaiola. E o poema se fecha com essa chave do ouro: “¡Locuantopuede una mujer que llora!”, verso que resume todo o meu conhecimento da língua em que Dom Quixote veio ao mundo.

De tudo isso me lembrei ao ler um artigo que explicava por que o português não tem o devido reconhecimento no mundo, apesar de tanta história, de tantos grandes escritores e da presença cada vez maior do nosso país no contexto mundial. Segundo o autor, isso se deve à presença sufocante do espanhol, hoje uma das línguas mais faladas e estudadas no mundo, inclusive no Brasil. Pelo que entendi, os estrangeiros acreditam que português e espanhol são tão parecidos que basta usar este para que aquele esteja sendo usado. 

Não é bem assim que a banda toca. Quando por aqui passou, como um tio rico que faz a gentileza de visitar os sobrinhos pobres, o presidente Ronald Reagan foi tão bem recebido que, ao partir, agradeceu a hospitalidade do povo boliviano. Mas atualmente até os americanos, ou pelo menos os mais esclarecidos, já aprenderam que a capital do Brasil não é Buenos Aires. Alguns talvez achem que é La Paz. Um dia eles acabam acertando.

O certo é que de muito pouco me valeram as aulas de espanhol que tive na adolescência. E do pouco que ficou resultou esta crônica, e tão modesta quanto meus conhecimentos de espanhol, e cujo único valor talvez seja nos alertar para esta verdade inquestionável: uma mulher que chora tudo pode, nada se pode negar a uma mulher que chora.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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