Negação: defesa da dor e fuga da realidade

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

“A verdade vai acabando com as minhas mentiras” - Mayner Ribeiro

Há muitas verdades que precisamos conhecer sobre nós mesmos para que possamos ser libertos de comportamentos que nos fazem sofrer. O que nos cura é a verdade e o amor. É um paradoxo e fonte de conflito o fato de que, por um lado, temos motivações inconscientes que produzem atitudes ruins em nossa vida, e por outro lado tomar consciência delas pode produzir dor que não queremos enfrentar. Isto é um dilema para a verdade que nos quer mostrar nossas contradições, nossas complicações emocionais, mentiras, tentativas de manipulação das pessoas, nossos abusos verbais, etc.!

Sem ver e admitir estas coisas em nós, não podemos amadurecer e nem melhorar nossa saúde mental. Mas enxergá-las e aceitar que as possuímos, nos causa desconforto mental, que pode ser angústia, medo, tristeza, culpa, irritação, dor, insônia, somatizações, etc.

Como você reage quando a verdade ilumina sua mente e mostra seus defeitos de caráter? Logo usa justificativas para fugir dela? “Bebo demais porque meu marido não é romântico comigo!” (a verdade é: não tenho autocontrole), “Dou propina porque sem isso nada funciona nesse país corrupto!” (a verdade é: sou ganancioso), “Traí minha esposa porque ela não gosta de sexo como eu gosto!” (a verdade é: sou viciado em sexo e não sei amar), “Tenho amante porque meu marido não me dá atenção como sempre quis!”, (a verdade é: sou carente e insaciável).

O que você faz quando sente a dor mental que é sua, que tem que ver com seu passado, com sua sensibilidade, sua vulnerabilidade mental, sua luta espiritual pessoal, e não só com problemas atuais no casamento, no trabalho, com parentes? Ataca as pessoas? Se automedica? Foge para drogas ilícitas para anestesiar a dor? Trai? Come demais? Fica compulsivo para compras, sexo, trabalho? Mente para si mesmo e para os outros?

Pare de machucar as pessoas por causa de sua dor! Isto produz pelo menos dois problemas: (1) sua dor permanece não resolvida, (2) as pessoas se afastam por causa de seus ataques e isto pode piorar sua dor.

Há maneiras saudáveis de lidarmos com a dor pessoal que ainda não foi embora, ao invés de ficar negando, fugindo da verdade de que ela existe, de que você é que tem que aprender a lidar com ela e parar de ficar perturbando as pessoas por incapacidade (temporária?) de administrar seu sofrimento emocional.

Quando estamos prontos, então paramos com a negação da dor. A encaramos consciente, verdadeira e honestamente, admitindo que ela é algo nosso, e que somos responsáveis por buscar formas e meios de lidarmos com ela construtivamente. Se você ainda não está pronto para isto, pode, pelo menos, parar de machucar as pessoas devido à sua ignorância quanto a causa de sua dor e por causa de sua inabilidade de lidar com ela.

Há coisas difíceis na realidade de todos nós. Todas as pessoas têm o que os filósofos chamam de “angústia existencial”. É algo pessoal, individual. Em cima disto surge, ao longo da vida a “angústia de origem psicológica” (a outra é de origem espiritual), que se desenvolve na pessoa pelos problemas emocionais na família de origem, nos relacionamentos afetivos, no casamento, etc.

Sentir a dor, dói. Mas quando sua mente começa a liberar a percepção dela de modo que esta dor entra no campo da consciência, aí é o começo da cura, não da doença. Muitos nessa hora correm para a medicação (ou álcool, outra droga, etc.) a fim de anestesiar a dor. Quando ela aparece na nossa consciência, é como a luz vermelha que acende no painel do seu carro indicando que algo está errado e precisa conserto.

 Se você pega um martelinho e quebra aquela lâmpada que emitiu luz vermelha, o que pode ocorrer? O problema foi resolvido? Medicação, viagens, dinheiro, poder, sexo, trabalho, comida, compras, fama, etc., resolvem a origem da dor?

Comece com admitir que talvez você não deseja a verdade sobre si mesmo. Depois escolha desejá-la. Em seguida, busque compreender que verdades a verdade quer lhe mostrar sobre si mesmo para colocar você no caminho da cura. E quando surgirem compreensões, percepções, resista à dor, não mais fuja dela, e decida enfrentá-la com a força que a vida lhe dá. Este é o caminho da cura, da libertação de dores libertáveis na vida, cura que faz de você uma pessoa útil, que tenha uma vida com significado.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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