Espere um pouco

quarta-feira, 06 de janeiro de 2016

Conversando com um colega num supermercado, ele falava dos atendimentos que vinha fazendo num pronto-socorro de grande movimento na cidade do Rio de Janeiro. Este colega, felizmente, tem uma visão mais profunda do ser humano do que apenas observar sintomas físicos ao fazer um atendimento médico. Esta visão mais geral do ser humano é muito importante. Até o pai da medicina Hipócrates, acreditava que mais importante do que saber que doença tinha uma pessoa, era saber que pessoa tinha aquela doença.” (citado em “A Medicina da Pessoa”, Danilo Perestrello).

Se nós, médicos, ao atendermos um paciente tivermos paciência de escutar seu relato, se fizermos mais perguntas sobre sua história e estilo de vida, incluindo procurar entender também possíveis lutas emocionais dele, e se lembrarmos de que nosso organismo tem um mecanismo chamado “homeostático”, o qual busca recuperar automaticamente o equilíbrio alterado por um trauma ou por uma doença, mecanismo este que geralmente consegue restabelecer o equilíbrio, possivelmente nossa conduta médica será diferente da que tomaríamos sem esta postura de escutar bem o geral da história do paciente. Creio que poderemos confiar na capacidade de recuperação do corpo-mente sem logo prescrever alguma medicação ou intervenção cirúrgica.

Há situações em que é prudente esperar um pouco. Espere um pouco! Se você está sofrendo de tristeza, angústia, ansiedade excessiva, medos, má digestão, tonteira, dor de cabeça, etc, espere um pouco antes de tomar um medicamento para aliviar rapidamente seu sofrimento, o qual pode ser temporário e não requerer medicação.

Outro amigo e colega médico, coreano com cidadania norte-americana, que apresenta palestras ao redor do mundo, especialista em medicina do estilo de vida, diz que se num dia ele sente dor de cabeça e não tem compromisso nas próximas horas, ele dá uma caminhada e em geral a dor passa. Mas se está com dor de cabeça e tem uma palestra dentro de poucos minutos, daí provavelmente irá lançar mão de um analgésico.

Na cultura do pós-modernismo em que vivemos, uma das ideologias tem que ver como sentir-se bem. Até aí, tudo bem, isto é saudável. Mas a ideia que se quer passar dentro da filosofia pós-moderna é que você tem direito de ser feliz, de se sentir bem, e que tudo aquilo que fará você se sentir bem é válido. Entretanto, isto significa negar um tanto a realidade porque nessa vida todos nós temos sentimentos desagradáveis e dolorosos, temos pensamentos que podem precisar ser corrigidos, além de atitudes que necessitam aprimoramento e, talvez, eliminação de nosso comportamento.

Espere um pouco. Olhe para fora de si mesmo, de seus medos e inseguranças. Veja o que funciona em sua vida apesar do que há de desconfortante dentro de si. Volte a concentração, a conversa, a meditação, para coisas positivas que tem ocorrido com você ao longo dos anos. Houve perdas? Com certeza, porque todos temos pessoas queridas que já morreram. Alguns tiveram divórcio, perda do emprego, decepções, traições, abandono. E o que sua mente fez para lidar com isto? Você surtou (saiu da realidade e foi internado em hospital psiquiátrico)? A grande maioria não surta diante de perdas e traumas importantes na vida porque há mecanismos de regulação em nosso organismo que nesta pessoas funcionaram bem.

Um exemplo físico: quando alguém, por herança genética (a genética passa a tendência para certas doenças, mas não a doença em si) e por estilo de vida não saudável começa a ter as primeiras células em seu corpo alteradas se tornando cancerosas, o mecanismo automático de defesa –homeostático – ativa os genes P 53, que estimularão ações de defesa contra a instalação do câncer no corpo. Se a pessoa permanece com algo disfuncional em seu estilo de vida (incluindo a parte emocional), conflitante com as leis da saúde, estes genes não aguentam, “pifam” e o corpo ativa outros genes, os NM 23, que irão tentar evitar que o câncer se espalhe pelo corpo (metástase).

Um exemplo na área mental: pessoas tiveram importantes perdas na vida afetiva ao longo da infância, tanto porque tiveram pais abusivos, ausentes, ditatoriais, agressivos,  separados,  quanto porque eram sensíveis emocionalmente, bem vulneráveis diante de situações psicologicamente estressoras. Mesmo sendo vulneráveis, talvez mais do que seus irmãos, muitos não saem da realidade, não se tornam psicóticos. Por que? Porque mecanismos de defesa mental entram em ação e conseguem minimizar as consequências dos traumas sobre aquela mente, e a pessoa “apenas” desenvolve uma fobia, uma crise de pânico, uma ansiedade generalizada, uma depressão, que ainda que incomodam, são bem menos graves do que uma esquizofrenia, só para citar uma doença mental grave.

Sem intervenção médica, o corpo e a mente buscam o reequilíbrio, e fazem isto sempre, seja diante de um câncer que se inicia ou diante de uma situação emocionalmente bem traumática para uma criança ou jovem, quando se oferece a ele práticas saudáveis. Talvez você possa cultivar gratidão por isto. Por existir a homeostasia em seu corpo-mente. E a própria gratidão ativa mecanismos de recuperação, se você a cultivar e aprender a esperar um pouco. Espere um pouco. 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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