Velas e vinhos - O outro lado

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Quis cruzar meus dedos nos seus e você não permitiu. Conduziu minha mão ao encontro da sua e como espelho uma da outra fez com que fizessem sombra para perceber a luz. Naquela luz invisível, ao som da noite e da música da orquestra de nossas respirações percebi então que nada mais seria como antes. Ainda que o antes tivesse nos levado para essa atmosfera que não se desfaz mesmo após eu ir para casa. Ainda que todo o antes, de experiências individuais boas e ruins nos tivessem levado até ali.

Foi nessa sensação, foi nesse momento que entendi que não quero alguém que me complete. Quero alguém que me complemente. Eu 100% dos 200% que somos. Você 100% dos 200% que são dois. Suas mãos não me completam e nem as minhas completam as suas. Elas se complementam como todo o resto. Encaixa. O beijo. Todo o tato. O arrepio por detrás do pescoço. A leveza da alma. A batucada do coração.

As velas foram acesas. O vinho foi aberto e degustado. O cheiro no ar, a cor na taça, o sabor no encontro. No peito, a ilusão que se fantasia não pelo álcool, mas pela sintonia.

Velas e vinhos em noite de sacramento. Velas e vinhos sagrando o romance. A música fazendo valsa em seus belos olhos de olhares apaixonantes. Não precisa dançar. O espaço está preenchido pelo encontro de nossas mãos iluminadas pela chama das velas que nos chamam ao silêncio que canta suave doce melodia.

Vinhos e velas que solidificam a permanência da memória que se faz agora construindo uma saudade repentina nas horas de amanhã, depois de amanhã, semana que vem e mês que vem também. Velas e vinhos que despertam o sentido de um sentimento que não pode mais se aquietar.

A lua por detrás da cortina. A cera grata por ser essa vela que testemunha com luz esse instante. A uva encantada por ser esse vinho que compartilhamos. Incendeia a espera. É realidade essa tela de tinta óleo que no meu pincel capta a sua calma. O mundo é azul!

Desperto do sono e trago o sonho de me entregar para a sala. Deita-me no sofá e vinga no meu peito a sorte de quem já conheceu o que é o azar. A noite é de velas e vinhos tanto quanto o romantismo se faz imperar nessa composição de lua, vela, você, vinho, eu, intenção, sol à meia-noite.

A resposta. A música. O azul. O sofá. A cama. A entranha. O que é estranho nessa hora? Difícil não se apaixonar. O muro cai pelo brilho que vem da vela refletido no olhar. A ponte se faz no encontro do vinho com o paladar. Nosso beijo. A loucura que cura o medo. O berço que abraça meu apelo de outrora. Estamos aqui, distraídos com o tempo, aprendendo a experimentar o que é bom. Não, não vá ainda! Dorme aqui. Te levo para casa.

Velas e vinhos trafegando pela estrada de neblinas passageiras. Não importa se é segunda-feira. Lumia a noite escura sem vocação de ser miragem. É real. As possibilidades estão postas. Monto a tenda para declamar poesias mesmo sem ser bom poeta. Faço-me de palhaço, colibri ou serpentina para colorir seu dia. Condenado a querer-te, escrevo carta que não entrego. Se você soubesse...

A rolha do vinho com a sua assinatura está guardada. Digo que dói e dou publicidade a essa dor porque não temo ser reconhecido assim diante de você ou dos outros. Meu pecado não foi beber com você vinho, mas ter bebido o vinho de sua boca. Minha condenação foi ter deixado você entrar no meu peito quando escuro deixou ser iluminado pela luz das velas nunca antes usadas e preparadas para cumprirem com o destino de serem para você. Pobre, meu coração não entende quais são as suas cores. Por que você não volta agora? Há mais vinhos na prateleira. Há luz à espera.

Na mesa de centro, as marcas de seus dedos. No centro do meu peito a assinatura de seu tato. Minha boca seca pede seu beijo, recusa vinhos que não sejam divididos com você. Você levou o vinho. Deixou as velas, agora apagadas. Que as velas sem luz me digam o quanto é insana a minha vontade. Vinho tinto, branco, espumante. O jantar, a estrada, a sala, o carro, a cama. Ajoelhado, escapam por entre os meus dedos a poeira da lua. Mastigo a fé que martiriza minha sentimentalidade em não entender ou entender sem ter coragem para encarar a ausência de sua voz.

Não pode ser perecível esse gostar.  Se toda uva merece ser vinho e toda cera merece ser vela, todo encontro também merece a chance de ser amor. Duradouro para além das lembranças devem ser os bons encontros.

As velas seguem acesas na memória e na presença da ausência ainda sim a cera continua intacta. Seu pavio não se esgota. O sabor do vinho não vinagra no coração. Quisera que o fato fosse tão permanente quanto aquilo que se recorda. 

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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