Coração habitado

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Acima das nuvens eu não consigo ver o sol. Esse mesmo sol dissipa as nuvens e as transforma em chuva. Mas eu sei que o sol está lá!

É impossível habitar o coração do outro. O amor existe. Quase nunca posso vê-lo. Raramente posso experimentá-lo. Mas sei que existe. Persiste. Posso senti-lo. Como o ar que comprimo e exprimo. Esse amor. Tão comum na boca. Tão igual nos dedos. Tão expressado nas poesias, livros e discos. Tão adepto de nossos equívocos, tentativas, fantasias e expectativas. O mesmo amor tão singular é na existência de cada um. Será verdade morrer por alguém? É verdade viver por um só ser. Vital é transcender. Arder em chamas sem se queimar. Se entregar sem relativizar.

A equação da sobrevivência é o amor. A fórmula da vida está na habilidade de amar e se apaixonar. Quem será? Nunca haverá certeza até descobrir. Ser capaz de experimentar até quando não puder mais subtrair. Exige força. Pede atenção. Requer entrega.

Qual o peso da mágoa? Até quanto o ombro aguenta? O coração suporta na esperança, ainda que a alma não faça apelo por eternidade. O agora seria tão bonito se nos braços pudesse carregar aquilo que não vejo e já descobri mais por presumir do que necessariamente por ter. Deteria? As nuvens não podem conter a chuva, porque existe o sol. Deter o amor seria aprisionar a luz. O amor é para ser experimentado neste lugar, neste instante. Prender-se por liberdade, acima de tudo doar-se, dar-se...

Nas multidões navegam meus pensamentos. Canto para não sofrer. Escrevo para não explodir. Crueldade não extravasar na piedade de quem não aceita pedidos de perdão. Tardia sempre é a desculpa.

 Há cicatriz nessas folhas repletas de versos. Há o inverso neste coração que sangra em palavras que estão no dicionário, mas que jamais terão plenitude nos significados que o mesmo dicionário dá.

Além do peito eu não posso ver e só posso presumir o que existe lá dentro. É impossível habitar o coração do outro. O que se passa nessa morada? Ninguém saberá, quando por vezes nem o próprio dono sabe. Descobrir. Encontrar é mais importante do que desvendar. Seria pelos olhos. Seria pela inteligência. Será sempre pela conexão. De pele, de pensamento, de alma. Encontrar e no encontro encontrar-se é tão... Tão sublime é o amor, ainda que sofrido se platônico ou não correspondido. Habitar o coração por quem, se nem quem é dono sabe de sua própria morada? Cheia ou vazia ou quanto pode encher e esvaziar.

Só quem sente sabe o que sente. Todo o externo é especulação. Ao amor que se conjuga não se julga seu penar. Coração habitado nem sempre está habilitado a amar. E, tão próprio é o próprio amor. Cativa. Enlouquece. Desvia. Entorpece. Talvez, o que só possa querer é ser amado na mesma proporção que amo. Não queria ser eu o que ama mais...

Mas é assim: eu só aceito morrer de amor após viver tudo o que o amor pode me dar. Meu coração está habitado de vazio. Meu coração está habilitado a ser preenchido pelo passado que me faz sonhar com um presente e futuro já definido. Vou morrer de amor, mesmo que o amor me falte. Gostaria de morrer de amor, depois de ter vivido tudo dele. Há também presença do amor na ausência. Difícil entender o que habita um coração.  

 

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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