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A educação que queremos
A educação que queremos não pode estar ligada a dois radicalismos ainda existentes: reprovação automática e aprovação automática. Isto porque enquanto a primeira denota uma incompetência da escola, como estrutura que deve ser capaz de ensinar, a segunda é claramente a demonstração de falta de ética.
A princípio pode parecer um paradoxo, mas não é. O problema tem solução dentro de algumas circunstâncias e são elas que identificam a educação que queremos.
O currículo desenvolvido pelas escolas está obsoleto, eivado de iluminismos, calcado em conhecimento sem relevância e deixa a desejar no que tange aos processos que levam os educandos a pensar. São tantas as quantidades de matérias em cada disciplina, sem falar das divisões existentes dentro de cada uma delas que não sobra tempo para o aluno estudar, ler, refletir e fazer exercícios. O currículo da escola básica precisa de transformações profundas onde se leve em conta a utilidade e atualidade dos assuntos além das interligações entre eles. Nosso currículo é marcadamente cartesiano e formatado dentro da visão enciclopedista.
A adequação do currículo e seu nível de dificuldade devem estar adequados ao desenvolvimento psicológico da criança e voltados para os princípios da teoria da complexidade cujo esboço pode ser encontrado já em Giuseppe Vico quando questiona as segmentações cartesianas, passa pelo pensamento de Pascal e desemboca no “Método” escrito por Edgar Morin a partir de 1973 e se desenvolvendo por três décadas e meia.
Por tudo isso, nossos currículos precisam de abordagens mais dialógicas que dialéticas.
A educação que queremos não pode conviver com uma mentalidade danosa para a sociedade representada por profissionais que, seguros de sua estabilidade, rejeitam a formação continuada. Esta questão tem reflexos diretos sobre o salário dos profissionais da educação. Se o profissional não se atualiza, os gestores acabam por diminuir o valor real dos salários. Chega-se, então, a um círculo vicioso: “se você finge que paga, eu finjo que trabalho” e o contrário torna-se verdadeiro, com a despesa final debitada de toda a sociedade, com aulas ruins, condições de trabalho inadequadas, alunos que não conseguem aprender, professores desestimulados e economia refém de toda essa situação.
A educação que queremos depende de duas coisas: ou os profissionais nela engajados permanecem com a estabilidade e estudam continuamente para fazer jus a salários decentes ou perdem a estabilidade e dão lugar a um sistema que priorize o mérito através da avaliação de desempenho e com consequências imediatas de valorização salarial.
A educação que queremos não consegue mais conviver com gestores ligados umbilicalmente a partidos políticos, indicados por deputados que esperam receber, em troca, alguns votos na próxima eleição. A educação deve estar acima da política partidária e intimamente ligada aos planos do Estado. Com a macro política, sim, ela deve ter interações constantes.
A educação que queremos precisa conjugar a preparação para o mercado de trabalho sempre mirando a mudança contínua do mesmo, o que descarta uma preparação de mão de obra para fins imediatos. Ao mesmo tempo em que pensa no aqui e agora, o olhar precisa voltar-se para o futuro e para o desenvolvimento do capital humano em níveis acima da média, que atinjam patamares superiores que permitam o trânsito em ambientes de alta criatividade e competência.
Por fim, frisamos que os alunos precisam aprender. Eles têm o direito à vaga e à aprendizagem. Para aprender, os educandos necessitam de orientação sobre “como estudar”, necessitam de tempo além das aulas para esse fim e o melhor é que façam isso dentro das escolas com a orientação dos professores e em tempo integral.
A educação que queremos deve atender à Constituição da República promovendo uma educação pública, gratuita e de qualidade. Para tanto, o mínimo que se exige hoje, apesar do atraso, é que o Congresso Nacional vote o II Plano Nacional de Educação. Esta peça enviada pelo executivo ao legislativo repousa nessa casa há quase dois anos. Os deputados são contraditórios quando exigem 10% para a educação e reduzem através de emenda de 50% para 25% o tamanho da escola pública integral até 2020. O mais importante investimento para a “escola que queremos”, a que tira a crianças da rua e que as ensine a estudar, oferecendo-lhes espaço para esse fim é, exatamente, a escola integral.
A sociedade brasileira clama por urgência aos que detêm o poder de legislar e executar.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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