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Mau humor, mau amor
Nem Deus, que criou a natureza e tudo mais, conseguia contentar João Jumento.
Não sei por que voltei a me lembrar do assunto, tantos anos depois do ocorrido. Talvez tenha sido por causa da celebração do Dia do Mau Humor, se é que mau humor merece ser celebrado. Aliás, uma data aziaga dessas só pode ter sido criada por alguém muito mal humorado.
Enfim, criaram o Dia do Mau Humor, homenagem aos mal-humorados do mundo que, forçoso é reconhecer, não são poucos. Um dos mais atacados com que me deparei era conhecido como João Jumento, e o nome diz tudo. Era a perfeita definição da pessoa. JJ era um gentil-homem agressivo, sempre de mal com a vida. Numa bela manhã de domingo ensolarado, a única coisa que ele percebia era o calor. Mas também se estivesse chovendo ou fazendo frio, praguejava contra a falta de sol. Em resumo: nem Deus, que criou a natureza e tudo mais, conseguia contentar João Jumento.
Não sei existe o Dia do Bom Humor. Mas, sem sairmos do mês de novembro, temos a feliz oportunidade de comemorar as seguintes datas: Dia do Anjo Haziel, do Aposentado, da Nota Fiscal, do Supermercado, do Moço espírita, do Reciclador de Lixo e da Baiana do Acarajé. Depois há quem diga que nossos legisladores não trabalham. Pensa bem na trabalheira que dá ter tantas homenagens a fazer, tendo o ano, como de fato tem, apenas 365 dias, salvo os bissextos. E se 29 de fevereiro ainda não foi honrado com alguma indicação, sugiro que passe a ser o Dia do Candidato, uma vez que também esse só costuma aparecer de quatro em quatro anos.
Mas o fato que me veio à lembrança hoje, sem motivo e sem razão, foi resultado de uma conjugação de mau humor e decepção amorosa, duas coisas que não raramente andam juntas, a primeira como conseqüência da segunda.
Deu-se que Joana, que já tinha dado alguns passos à frente na casa dos trinta, enamorou-se do engenheiro Ricardo, a quem havia conhecido numa segunda-feira. Paixão mútua, engatou-se o namoro, com grandes perspectivas de casamento. A particularidade do caso é que o objeto da paixão de nossa heroína somente comparecia para os encontros idílicos às segundas-feiras. Justificava-se dizendo que essa era sua folga semanal no trabalho e que o ônibus levava mais de três horas entre a sua cidade e a nossa, duas boas razões para cá não vir em qualquer dos outros seis dias. Trabalhava também aos sábado e domingos? Joana nunca perguntou, e muito menos eu.
Aí entra na história Maristela, que, por um desses acasos da vida, descobre que Ricardo é casado, pai de não sei quantos filhos e que pernoitava aqui às segundas porque era o dia em que vinha supervisionar uma obra que sua firma estava construindo em nossa cidade. Não tendo nada de melhor para fazer à noite, arrumava umas namoradas para ir se distraindo.
Maristela, amiga fiel de Joana, vacila um dia ou dois, mas acaba contando a verdade. Diante da noticia inesperada (ou não), Joana afirmou que nunca mais confiaria em homem algum, mas que o acontecido em nada abalaria seu bom humor. Maristela, aliviada, congratulou-se por ter tomado tão feliz decisão.
No dia seguinte, as duas chegam ao escritório onde trabalham. Maristela abre-se no habitual “bom dia” à colega. Eis que baixa em Joana o espírito de João Jumento, e ela sai dando patadas a torto e a direito na amiga, para a qual fechou a cara para sempre. Ou, pelo menos, até o dia de hoje, e lá se vão uns bons quarenta anos!
E, pelo que eu sei, Joana ainda namorou Ricardo por mais alguns meses, e que o romance só acabou porque toda obra, por mais que demore, um dia fica pronta.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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