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Des-caso
O descaso desfaz o caso, traz disritmia ao compasso, faz do equilíbrio - arraso. Poderia ser, mas não é. Faria ter, mas não detém. Tem nessa angústia pouca algo que não contém salvação ou acusação. A indiferença alimenta a descrença que não se descreve na ausência de fé. Até a pé eu iria para ficar aos seus pés. Réu confesso do amor que no des-caso de quem não viu, desmoronou. Como morro em samambaia, como estorvo em trapalhada, morro um pouco mais ao contrário. Arrisca e não risca o risco desse mapa. Pode dar na terra da felicidade ou em litoral mais seguro que esse mar de limão que não se sustenta. Rasga a canção e diz para que serve a lua.
Eu fico nervoso com você. Eu sou completamente eu diante da mísera possibilidade de ter que te encarar com os olhos. Des-caso do pseudo jogador que nunca me habitou, mas que desonestamente faz aparição para ser honesto consigo mesmo: eu sei o que quero. Pelo que eu quero vou até Paris, me jogo da janela, pego carona num cometa, me atiro no precipício. Mas qual o itinerário até você?
Torto, cambaleante na esquina, erro a direção. Seria à esquerda para chegar ao coração. Degolado, erro o peito, acerto o alvo. Já não é minha e nunca foi a tua emoção. Descaso. Ah! Se soubesse como quis dar meu amor, tua devoção não bastaria. E dei como poeta que empresta os teus versos a uma só andorinha que, por si só, consegue fazer verão. Verão, mas você verá? Decerto, é mais fácil fazer uma frase que um poema. É mais provável gostar do que se apaixonar. É mais possível viver uma paixão do que se aplicar a um amor. Uma vida inteira, então... Só para os teimosos insistentes. Teimei sem recuar. Agi em fé sem recusar. Recuei - por não mais poder ousar. Te vi. Te senti. Te pedi por nós dois. Só de um - não se impera o amor. Des-caso nunca será caso do descaso ainda que soem semelhantes na fonética. Na semântica de seus afazeres chorei na chegada e na saída - dois tipos de choros diferentes.
A lágrima que seca o coração é a mesma que hidrata a pele. A chuva que molha o sertão é a mesma que inunda a serra. O céu que esconde o azul é o mesmo onde aparecem as estrelas. O descaso é onde mora a cor da flor que desabrocha mesmo para quem não sabe o que é amor. Qual é a cor desse sentimento? É aguda mais do que severa essa dor. A flor? Des-caso. Esse avesso se debate para não ser contrário. O des-caso é onde mora dentro todas as cores que, misturadas, até podem não ser cor alguma. Seria essa a cor do amor? É exagero a intensidade mais do que passageiro.
Eu sofro sorrindo, calado. Eu morro pedindo, apaixonado. Venha me salvar a quem salvo, de quem salvo. Venha me olhar a quem olho. Percebo. Insinuo. Não posso mais fingir que não vejo. O descaso que me visita não recebeu convite, mas o des-caso continua a intimar. Até quando? Até ontem, talvez. Não mais amanhã. Não sei... Te inundei e acabei afogado.
Te adoraria como adoro você da cabeça aos pés. Te amaria como amo suas qualidades aos seus defeitos. Peço que apenas diga aquilo que nunca ouvi. Mas se cala e se fecha e se finge não entender. Sabe, mas esconde. Pensa, mas não fala. Sacerdote de seus saberes. Entende que eu gosto mesmo é de você. Compreende a minha ansiedade, mas trata a minha carência com o remédio errado. Ignora.
Se não diz, (eu sei), não quer dizer que não sente, mas ao não dizer não sei exatamente o que quer ou gostaria de dizer o que sente, há quem sente. Não diz nada. Não faz nada. Não me diz nem que sim, nem que não. Não ser nada não é o mesmo do que ser tudo. Meio termo me encalha no mar de angústia. Paz roubada. Deixo roubá-la deliberadamente. Assusto enquanto assisto seu teatro de fatalidades em que não sou fato, nem desejo, nem saudade. Preciso seguir em frente. O descaso me prova o que a razão já comprovou. É hora de ir. O des-caso me assopra no ouvido: "Gostar é deixar ganhar". Você venceu.

Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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