Reflexões friburguenses

sábado, 19 de setembro de 2015

A chegada do guarda-roupa alterou toda a programação do dia, a casa virada de cabeça para baixo. Seis meses depois, ainda havia resquícios da mudança, caixas fechadas. Muitos livros, papéis, lembranças. A memória visual e tátil do meu apartamento no Rio ainda está presente. Livros que pensei estarem nas estantes ainda estavam nas caixas - a memória era de lá, não daqui. Quanto tempo uma pessoa leva para se desvincular de um lugar? Quanto tempo uma pessoa leva para se vincular a um lugar? 

Tenho família em Friburgo, morei dois anos da minha infância aqui e adoro essa cidade. Tenho com ela uma ligação irrefutável e mesmo assim ainda não me acostumei à mudança. Sinto falta dos meus amigos, sinto falta de ter mais opções de filmes para ver, mesmo que eu passasse meses a fio sem ir ao cinema. Sinto falta de poder entrar numa livraria que não seja papelaria também e que não venda apenas Best Sellers americanos. Sinto saudade de ir a uma exposição, mesmo que eu raramente frequentasse museus. O Rio é uma cidade com muitas opções culturais, mas o caos diário me fazia não ter energia para aproveitá-la. Já aqui, que a vida parece fluir, que há tempo e ar para respirar, tenho energia de sobra e opções escassas. Isso me faz pensar por que Friburgo não possui tantas opções culturais como o Rio. Por que as salas de cinema daqui passam os mesmos filmes hollywoodianos, nos mesmos horários e dublados? Por que não há livraria aqui? Por que as exposições são raras, as peças de teatro variações do tema “corra que a minha ex-mulher vem aí”? Não me digam que a razão é falta de público, pois quantos friburguenses não vão ao Rio e passeiam pela Livraria da Travessa, pelo CCBB, vão ao teatro ver uma peça do Aderbal ou ao festival de cinema do Estação? Quantos friburguenses vão estudar no Rio e ficam lá pra sempre justamente por esses motivos? 

 Ouço as pessoas daqui dizerem que em Friburgo não tem nada, que sou louca de ter saído do Rio. Vim para Friburgo porque a vida no Rio estava inviável, preços absurdos, trânsito infernal, zero qualidade de vida. As pessoas aqui são mais humanas, menos maquinais. Vivem sob menos estresse, e isso resvala em todos os aspectos da vida cotidiana de uma cidade. Entro no ônibus e o motorista me deseja bom dia. Vou ao mercado e a moça do caixa pergunta o nome do meu esmalte. O meu vizinho canta todos os dias debaixo do chuveiro. Claro, não sai pra trabalhar às seis da manhã e chega às nove da noite. Não é acossado pelo estresse alheio nem oprimido por preços exorbitantes. A questão pra mim não era por que sair do Rio, mas por que ficar no Rio. Não me arrependo da minha decisão nem por um segundo, apenas gostaria que Friburgo acreditasse mais em seu potencial e investisse mais na cena cultural da cidade. Quem sabe um dia eu possa contribuir, abrir uma livraria, um centro cultural, alguma coisa assim. “O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força”.

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