Regresso à vista

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Começo a arrumar as malas, pois falta menos de um mês para voltar para casa. Aliás, retorno é sempre doloroso, principalmente quando deixamos uma situação complicada ao partir, e voltamos com a certeza de que está pior. Dilma e sua equipe conseguiram fazer voltar à inflação, desacreditar o país no estrangeiro, rebaixá-lo no risco de investimentos, segundo as agências internacionais, e renascer entre os brasileiros a síndrome do cachorro vira-lata, de autoria do saudoso Nélson Rodrigues.

Moramos quatro meses em Castenedolo, na Itália, mas estivemos na Alemanha, Suíça e França, onde convivemos com outras culturas, outras realidades, outras aspirações. Muitas coisas nos chamaram a atenção e ajudam a compreender o porquê da diferença abissal entre o Brasil e esses países. Lembrem-se que a Europa também passou por altos e baixos, não sendo à toa que foi exportadora de mão de obra no fim do século XIX, início do XX. Talvez as guerras internas que fazem parte da história desse continente e mais dois conflitos mundiais, em seu território, expliquem muito do modo de ser do europeu. Uma coisa que salta aos olhos é como eles se apegam ao dinheiro e como são materialistas.

A Alemanha abriu as portas para os fugitivos da Síria, um risco calculado, é claro, mas com pensamento no futuro. O governo vai ajudá-los desde que aprendam o alemão, se capacitem (mão de obra especializada) e entrem no mercado de trabalho. Com isso esperam aumentar o montante de impostos arrecadados (é diferente de aumentar a carga tributária), trocam experiências com trabalhadores de outra cultura e têm condições de aumentar a produção e as exportações. O risco principal, a meu ver, é que muitos fanáticos estejam infiltrados nessa horda de imigrantes e, mais cedo ou mais tarde, os atentados recomecem, pois a Síria sempre sustentou movimentos terroristas internacionais. No entanto, nesse fim de semana o tráfego ferroviário entre a Áustria e a Alemanha foi interrompido, pois se utilizando de um artigo emergencial do acordo de Schengen, os germânicos alegaram que a taxa de imigrantes tinha ultrapassado a cota do suportável e a maior parte deles utiliza essa rota.

A diferença gritante com o Gigante Adormecido é que na Europa todos pagam impostos. Quem ganha muito paga muito, quem ganha pouco, paga pouco isto porque todos têm os mesmos direitos com relação à saúde, educação, transporte e moradia básicos. Quem quiser coisa melhor, paga para isso. O custo da máquina pública é bem mais modesto, pois nem de longe consomem 400 bilhões de reais, por ano, para sustentar 39 ministérios e 113 mil apadrinhados. Essa quantia paga a despesa da seguridade social brasileira por nove anos seguidos. E ainda tem um ministro que sugeriu o congelamento dos salários do funcionalismo público, com o objetivo de economizar 15 bilhões de reais e diminuir o déficit público. É um piadista de péssimo gosto.

A França e a Itália seguem o mesmo padrão, a diferença está no custo de vida mais elevado, principalmente na Itália. Mas, todos têm direito aos serviços básicos, consequência natural dos impostos pagos pelos cidadãos. Mesmo a ajuda de custo, através de bolsas, tem uma razão de ser e o estado o direito de se garantir. Exemplo: a Alemanha paga 200 euros por mês para o casal que tenha um filho e essa quantia aumenta com o segundo e o terceiro, até completarem 18 anos. Com isso, garante-se alimentação e escola; ao atingirem essa idade, quando começam a trabalhar, devolvem esse dinheiro sob a forma de impostos; mas, se interromperem os estudos, a ajuda é cortada. Além disso, o estado se reserva o direito de fiscalização rigorosa, sem que ninguém reclame; o famoso jeitinho não existe e é impensável subornar funcionários para fazerem vista grossa.

 A França paga um preço alto pelo francês de hoje não ser muito chegado ao trabalho. A jornada semanal é de trinta e cinco horas, o desempregado ganha 650 euros por mês (conhecemos um que já está há quase dois anos nessa boa vida), a seguridade social à beira da falência e o ensino público nem de longe com a qualidade dos anos 60 a 80. A estabilidade da moeda compensa, ainda, essas mazelas. Até quando não se sabe, dado o endividamento do país. Ela já não é mais a mesma, poderia estar bem melhor.

Quanto à Itália depois desses quatro meses, ainda mantenho a minha opinião anterior: é um Brasil que deu certo. Salários mais baixos, combustíveis mais altos, alimentação mais cara, enfim custo de vida mais elevado que o da Alemanha e da França. Políticos corruptos, povo que, se puder, também arma para pagar menos impostos, ou seja, a latinidade acaba igualando todo mundo. A minha conclusão pessoal é de ser ótima para se fazer turismo, mas eu não voltaria a viver aqui.

A Suíça para mim, se não fosse tão cara, afinal, o salário mínimo é de quase 3.500 euros, seria um país agradável para se morar. Um colírio para os olhos, limpo, disciplinado, com pouco mais de oito milhões de habitantes, cidades pequenas, com exceção a Zurique e Berna, mesmo assim nada que lembre São Paulo, Rio de Janeiro ou Nova York.

Minha experiência foi positiva, e agora resta voltar e torcer para que o Fogão retorne à primeira divisão. Isso é o mais importante, pois não tenho mais esperanças num Brasil melhor, aliás, acho que nem meus netos.

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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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