Amor nos tempos do tênis e calça jeans

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Semana passada, assisti mais uma vez ao filme, baseado na obra “Amor nos tempos do cólera” de Gabriel Garcia Marques. Já tinha lido o livro há alguns anos e lembro que foi uma leitura densa.  Por vezes, cansativa. Levei um bom tempo virando suas páginas. Mas quando cheguei ao final, ah!, a história tocou minha forma de encarar o amor, tal qual o leite quando é derramado sobre o café. Tudo é modificado: a cor, o cheiro, a consistência, o sabor, a temperatura. Enfim... A química. O amor é alimento da alma e o café com leite do corpo. O amor mistura a libido com afeição, tal qual o café com leite, a proteína com vegetal.

Durante anos, antes mesmo de assistir ao filme, volta e meia o livro tomava meus pensamentos, de modo que num instante eu observava a vida do começo ao fim, no meio de informações, compromissos e solicitações que faziam com que o tempo se esvaísse pelas minhas mãos. Passasse rápido. Demais. Estava chegando ao século 21 e eu temia que o novo tempo trouxesse, na verdade, desesperanças. Mas as cenas do filme me mostravam que o amor diante da velocidade dos aviões jamais seria mera banalidade. E sugeriam que a passagem do tempo é irrelevante.

A história me fez ver o amor como um fio condutor da vida, um fio quase transparente, porém forte, tal qual o da teia de aranha. Um sentimento profundo e vivo. Mesmo que adormecido por alguns dias ou meses. Que sejam anos. Mesmo facetado por sentimentos opostos. É o sentimento das energias intensas. Daquelas que fazem um minúsculo ponto brilhar sob as águas turvas do pântano.

As cenas do filme me fizeram ver renascer o amor ao som ensurdecedor das máquinas. Talvez por isso, depois de assistir ao filme, no início do século 21, fiz questão de ver a vida no meio da praça e pude observá-la, passando mais rápido ainda através do fluxo de carros e das pessoas apressadas nas calçadas carregadas de pastas, sacolas. E tudo obedecia à regra-mor: quanto maior movimento, melhor. Ufa! O filme me aliviou. Consegui respirar o ar puro dos deuses gregos no Monte Olimpo, sobre o mar Egeu, o mar dos piratas.

Gabriel Garcia Marques fez uma história enredada na passagem do século 19 para o 20 talvez para mostrar que o amor que ultrapassa fronteiras intransponíveis está aí. Sobreviveu. Anos. Séculos. Milênios. Apesar das avalanches de neve. Não desapareceu como os aparelhos de telefone fixados na parede do corredor das casas.

Além do mais, o autor se esforçou para encontrar fatos que mostrassem que o amor não envelhece; vai muito além dos corpos enrugados. Que direciona a vida dia a dia, fazendo com que a vitalidade dos vinte anos permaneça intensa, talvez não nos músculos, mas na energia do desejar. Ah, a juventude é eterna. A cor dos cabelos? Não importa. Ama-se da adolescência à velhice.

Gabriel descreveu um amor imune às traças e cupins. Quebrou preconceitos!

Na época da história, as mulheres usavam saias compridas e armadas. Os homens, terno de linho e chapéu. Hoje, nós, os personagens da vida, usamos outro figurino: tênis e jeans. E ainda podemos protagonizar longas histórias de amor. Raras, certamente. Ah, o solstício de verão! Admirar o sol da noite é inesquecível. Vivê-lo então... 

O adolescente sente o amor delinear seus dias através de uma experiência banhada por lágrimas e risos. Delicada, inesquecível e forte. Tanto assim é que precisa ser amparado para que tenha uma vivência enriquecedora, sem correr o risco de concluir que o amor é tão supérfluo quanto superficial. Tão fugaz quanto a ventania de outono que faz as folhas rodopiarem no chão.

Querem saber? Não adianta oferecer discursos ao jovem apaixonado. Conselhos valem de nada. Não existem receitas para o amor. Nem magias debaixo da mesa.

O jovem precisa viver o amor. Deve experimentá-lo.  Com intensidade. Ah, que sorte! Ele tem um aliado. O livro. É por isso que volta e meia faço questão de gritar a todos os ventos que a literatura salva. O livro resgata o que a experiência humana perdeu no meio de desapontamentos e da modernidade cega, sustentada por uma multiplicidade de equipamentos e modismos.

A literatura é uma amiga silenciosa que compartilha com o leitor a vida. O que ele vive pode encontrar nas páginas dos livros, seja através da poesia, seja através da prosa. Os escritores não têm rodeios para revelar os fatos da vida.

Vivendo, lendo e refletindo, o jovem sofre metamorfoses. Amadurece. Conhece-se. Modifica-se. Conhece o outro. Apreende o mundo. Apaixona-se.  Ama. Torna-se libélula.

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