Sobre as flores (parte III)

sábado, 22 de agosto de 2015

Ana estava começando a ficar preocupada com a irmã. Não era possível tamanha demora, Maria não podia ser tão lerda assim. Alguma coisa acontecera. Faltava meia hora para a festa. Maria não atendia ao telefone. Depois fora de área. Ana começava a imaginar milhões de tragédias. Maria sendo estuprada, esquartejada, atropelada. Checava o celular a toda hora, esperando o telefonema da polícia, do hospital, do manicômio. Seu coração apertava dentro do peito, sensação de sufocamento. Ana não conseguia respirar. Tentava usar o raciocínio lógico, a massa cinzenta do cérebro, não podia ser irracional assim. Nada nela era irracional. Mas sentia o sangue descendo, o rosto pálido, a pressão cair. Cambaleou até a cozinha e pediu um punhado de sal, mas já era tarde. O sal escorreu pelos seus dedos, Ana caiu em frente ao canapé de salmão. 

Alguns segundos depois, acordou com o cheiro do vinagre. Envergonhada, pediu desculpas e pôs-se de pé, mas a ideia de encarar uma festa naquele momento lhe parecia impossível. Não conseguiria agir como se nada tivesse acontecido, embora nada de fato tivesse ocorrido. O salão ainda estava sem flores. Pobre. Vazio. 

Num impulso desconhecido, Ana saiu porta afora em direção ao Jardim Botânico. Não pensava na consequência de seus atos. Simplesmente andava em direção à vitória-régia. Sentou-se no banco em frente ao lago, absorta no vazio profundo. Não sabia o que fazer, arruinara sua reputação, tudo por água abaixo, todo um trabalho de anos. Desde que perdera os pais num acidente de carro, Ana não conseguia lidar com o acaso, com as coisas saindo fora do planejado. Maria sabia o quanto isso a atordoava e mesmo assim insistia em fazer as coisas impulsivamente, sem pensar. E, no entanto, era ela quem agia sem pensar agora. Um guarda interrompeu seu devaneio, o parque estava fechando. Ana não conseguia se levantar, não conseguia falar. Queria dormir dentro da vitória-régia. Para sempre. 

Maria adentrou o salão de festas, empurrando a porta com a caixa de flores, arfante, gritando. Cheguei. 

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