Velas e vinhos

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Velas nunca usadas. Vinhos lacrados que talvez nunca serão abertos. Seus sabores ficarão restritos à garrafa. A chama que queima não apaga, porque na verdade jamais foi acesa. As velas na estante. O vinho na adega. Ambos à espera do instante.

Velas e vinhos sem noite. Música de drama sem atores. Dança sem passos na sala, na ausência de dançarinos que completem o vago espaço, do escuro chão encerado pela expectativa doce que agora amarga no paladar sem o sabor que premeditou.

Vinhos e velas que pedem para esquecer as suas agonias. Vinhos e velas que clamam por uma memória que vá além do olfato, da visão e do paladar. Tato, alma, sentido para os sentidos. Abraço, calma, sentimento para o que se vê, ouve, experimenta.

O frio adormece o sol por detrás da cortina. Neblina a estrada da cera que nunca será vela, da uva que jamais será vinho. Queima a esperança. Pisa o sonho que vislumbrou ser realidade. Será o mundo essa fantasia sem graça da bailarina que não sabe o que é dançar à luz das velas ou rodopiar sob o poder do vinho?

Acorda, princesa solitária, deste castelo vermelho protegido pelo medo! Desperta, menina que não espera sorte por simplesmente desconhecer o que é sorte! Enfrentará a monotonia de uma vida sem velas e vinhos — paixão.

A questão. A poesia. O mar. O grão. A face. A pele. Onde faz morada a alma? Vilarejo escuro sem ponte esconde velas nunca acesas e vinhos nunca bebidos. Bêbados perambulam sem estarem alcoolizados. Enfermos pela normalidade já não pedem visita do amor. Distraídos não sabem diferenciar o que é bom ou ruim. O trem passa. O pulmão apenas respira. A vida ainda sim vive. Pena não ser experimentada.

Velas e vinhos navegando pelo oceano que não quebranta em praia alguma. Terra à vista apenas na ilusão. Miragem não se firma para quem desconhece possibilidades. Teatro não encanta há quem apenas ouve a poesia, mas não a absorve de fato.

Absolvidos! O aviso diz que o pecado caducou. Balança a garrafa de vinho para que a rolha não seque. Ainda há pólvora nesse fósforo. Acende a vela — imploro. Deixa queimar como atropelo na descrença. Ainda há fé neste pobre coração?

Vinhos e velas. Vinho tinto e branco. Velas brancas e de outras cores também. Amordaçada, a voz da vida é diagnosticada: rouquidão. Arranha o violino empoeirado e faz dele sair canção. Ajoelhado, seria mérito querer mais que pão ou luz de lua.

Velas sobre a toalha manchada de café. Poderia ser vinho. Vinho de safra boa também vinagra. A paixão não pode morrer... Paixão só deve ter fim se consumar a promessa de ser amor. Será a vela e o vinho mesmo imperecíveis?

Toda uva merece ser vinho, toda cera merece ser vela. Vinho, no entanto, só têm sentido se for bebido. Vela, se for acesa. Tanto quanto vida só faz sentido se...

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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