A relação professor-aluno em sala de aula - Parte 1

quarta-feira, 01 de julho de 2015

Os tempos mudaram. Já Camões nos lembra de que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança”. Estas relações ficaram confusas e sem parâmetros, justamente quando ficaram mais esclarecidos os limites dos adultos em relação às crianças com a elaboração de um estatuto próprio, o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Naquele momento, os adultos perderam o poder totalitário que mantinham sobre os menores de idade. Nós saíamos de um regime autoritário e, em sala de aula, exercíamos um poder quase absoluto porque, na verdade, os limites estavam determinados pelos regimentos escolares. O ECA ainda é vista como um estatuto negativo porque os educadores se esquecem de ler as obrigações que pesam sobre as famílias e sobre os próprios adolescentes. 

Este estatuto surge quando a palmatória estava em desuso, pelo menos no Centro-Sul do país. Na verdade, pesquisando com professores em várias palestras por municípios brasileiros, fiquei surpreso com a afirmação de que a palmatória ainda era usada na década de 80. Nem por isso nessas regiões o aprendizado era maior e a reprovação, menor. Eram áreas com alto índice de analfabetos e com escolas caindo aos pedaços. Constatei em minhas andanças Brasil afora a existência de escolas onde os cabritos dormiam à noite e os alunos estudavam de dia, tendo o professor, como tarefa primeira, ao chegar à escola, varrer a matéria fecal “in natura” dos cabritos para iniciar as atividades. Não havia banheiros dentro da escola. O mato ao lado direito era usado pelos alunos e, à esquerda, pelas alunas. Havia autoridade que, mesmo tendo sido mitigada pela ECA, era reclamada por muitos docentes que se sentiam prejudicados.

Outra questão importante é que a educação escolar passou a ser considerada uma prestação de serviço, com contrato assinado pela escola e pelos pais dos alunos. Se, de um lado, regulou-se uma situação, às vezes fluida, de outro, o diálogo entre família e escola passou a ser substituído pela abertura de boletins de ocorrência numa delegacia de polícia. 

A impressão que se tem é que o pêndulo mudou de lado. Aos exageros existentes nos antigos regimes, surgiram outros exageros dentro de um novo regime.

Tradicionalmente, tínhamos dois tipos de escola: as que seguiam a linha dos conventos e as que seguiam a orientação dos quarteis. Cada uma dentro de sua especialidade, a conventual preparando futuros monges e a militar orientando desde cedo os alunos que poderiam mais tarde ingressar nas Forças Armadas, desempenhavam bem suas funções, a questão é que ainda não temos uma estrutura escolar que prepare o civil, educado, comprometido com a sociedade, conhecedor dos deveres e direitos do cidadão. Não cabe à escola que prepara civis fazer os alunos andarem pelos cantos dos corredores de cabeça baixa, como monges em estado meditativo, nem fazê-los praticar uma ordem unida constante em todos os deslocamentos, como se estivéssemos num “seminário” das Forças Armadas. Por isso, quando vejo algumas escolas públicas sendo entregues à orientação da polícia militar, penso que estamos preparando crianças e jovens para uma sociedade com regras bem diferentes. Que nesses estados brasileiros onde há esta prática existem boas escolas da polícia militar não se pode negar. O que importa é que uma escola militar, por si só, tem outro perfil.

Dentro deste emaranhado difícil de ser compreendido, quando uma escola não define seus parâmetros conforme deseja o projeto político pedagógico, cada professor faz o que pode para ensinar, sobreviver e atender às exigências legais.

TAGS:

Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.