Megera indomada

domingo, 28 de junho de 2015

Baba Yaga é o arquétipo da megera indomada, a imagem da bruxa criada pelas religiões monoteístas e pelos filmes da Disney, a velha com a verruga na ponta do nariz e risada maléfica, que é cruel e come criancinhas. Ela mata aquilo que deve morrer, é a Mãe Selvagem da vida-morte-vida. Compreende os ciclos da natureza, que tudo o que floresce também desfalece, murcha, vira adubo para a próxima vida.

Nós temos medo dela, sua imagem nos apavora e, por isso, nossa primeira reação é abominá-la, isolá-la em alguma floresta sombria ou casa abandonada. Ninguém quer encontrá-la, ninguém quer lidar com ela e, principalmente, ninguém quer ser a megera.

No entanto, é preciso dizer: ela está no meio de nós. Ela está dentro de nós. E nós, agora me dirijo às mulheres, nós a tememos mais. Fomos educadas para ser cordiais, delicadas, agradáveis. Mesmo hoje, em que conquistamos tanto, somos chamadas de histéricas, megeras, malucas, basta falarmos alto ou reclamarmos - tenhamos razão ou não. É culpa dos hormônios, da TPM. Nesse período, nada do que dizemos ou fazemos é levado em consideração. Aí nenhuma reclamação é levada a sério, pois logo é atribuída à TPM.

Muitas vezes sufocamos a megera, para não sermos reduzidas aos nossos hormônios. O feitiço se vira contra a feiticeira, que acaba se fragilizando ou enlouquecendo de vez. Aí choramos quando perdemos o ônibus a caminho do trabalho, blasfemamos quando esquecemos o guarda-chuva num dia de tempestade. Porque não encaramos o lado negro da força. A megera quer matar a boazinha, porque a boazinha nos mata aos poucos. Essa é a criancinha que ela come no jantar, a princesinha, a donzela indefesa e essa sim é a grande inimiga. A megera quer nos salvar, nos proteger, mais ainda, ela quer que nós sejamos as protetoras de nós mesmas.

Todo mês eu encaro a megera, não tenho mais medo dela. O que está me matando deve morrer, então eu mato. Sem dó nem piedade. A bruxa é sábia – witch, bruxa em inglês, deriva do termo wit, que significa sábio.

Então que venha a bruxa e sua sabedoria.

Nota: esse e outros ensinamentos estão no livro “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkola Éstes. Falarei muito desse livro aqui.

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