Confissão

sábado, 27 de junho de 2015

Parei. Parei de publicar crônicas de arquivo. De histórias passadas. De memórias que já não servem mais ou mesmo daquelas inventadas e que nunca existiram para além da minha mente inventiva. Deixei de lado todos os textos de gaveta. Os papéis amarelados com tinta de caneta Bic. Eles não são exatamente o que sinto agora, nem são o tal sentimento que me transforma. Expressam uma construção antiga que me trouxeram até a porta. Mas agora que entrei...

Voltei. Para escrever crônicas inéditas. Atualizadas. Resultados de inspirações de segunda-feira, de ontem, de agora. Com aspirações de amanhã, mas sem as expectativas que paralisam, racionalizam ou supõe. Me jogo, sem jogo. Mergulho. Vejo os meus conselhos para os outros se encaixarem a mim. E, ouço atento ao que diz um amigo: cair é esperado. Voar é que será surpresa agradável. Aproveita, enquanto voa e que o vôo seja longo.

Voo. Enquanto voo, sou feliz. Voar é transcendental. Voar é único. Sei que estou nos ares. Voo não pela falta de chão. Mas porque de fato estou acima dele.

Pareço ridículo. Bobo. Sorridente entre as multidões solitárias da grande avenida da metrópole insana e repleta de gente sóbria. É extremamente delicioso parecer ridículo.

Estendo às mãos ao tempo e deixo que o tempo me leve tanto quanto conduzo o tempo mais que o vento. E não sou nada demais. Apenas um andarilho atrás de sonhos na intenção de aportar. Não numa terra. Mas num lugar chamado coração. Conduza-me!

Alimentado de prudência, vomito essa cautela nas evidências que o corpo não nega. O olhar é motivado pelo que a alma quer. Quando a alma vai para os olhos, o olhar brilha como estrela maior que a mais gigante estrela da constelação de Orion. A alma quer a deliciosa liberdade de se entregar ao que se sente. O dever de ficar apenas consigo certas coisas para não assustar é uma balela patética que impede a intensidade de se aflorar. Dará flor, cor e céu que não precisa estar onde os aviões passeiam. Basta olhar para o 5º andar. Mas a intensidade — revelo — não me visita. Está instalada em mim desde que eu nasci. Se intenso — espanto, logo não serve para mim. Tomado, incendiado, encantado... Quero também tomar sem domar, incendiar sem queimar, encantar sem cansar de encantar.

Cair é esperado. Voar é que será surpresa. E, surpreendido pela capacidade de sair do chão, me derramo em poesia. Poemas de outros, dos quais meus sentimentos pedem para se abrigar em devoção. Devolução? Dos poemas — sim. Do sentimento que traz — não. Traduz minha essência de apaixonado e devoto do amor que sempre haverá de imperar no anseio de ser completo. Reencontrei Gonçalves Dias. Conheci Augusto dos Anjos. Porém, fascínio mesmo nutri por um certo anônimo.

Saibam: os poemas não pertencem mais aos poetas depois que são divididos. Não há apropriação indébita daquilo que é escrito pelo universo. O escritor é assim, apenas canal de transmissão para o que Deus quer ensinar aos homens. O que não quer dizer que seja possível domar um coração de poeta. 

Provocativo mais que ambíguo, provo não ter talento para plantar dúvidas. Sou o que sou e o que há nesse tempo é sintonia plena, quase que cinematográfica. Meus mistérios, no entanto, só entrego a quem se entrega a descobrir a minha ingênua coragem.

O que se procura só se pode encontrar vivendo. Raras vezes ou talvez uma única vez você se surpreende. Voe!

Deixei de ler meus antigos textos. Suas pobres metáforas não enriqueceram e se tivessem, doaria aos sóbrios que pisam na loucura alheia. Se cair é esperado, não há como tropeçar enquanto se voa. Se estou voando, que a dança para qual me convocam possa ser no ar. No perfumado ar das cerejeiras que roseam até o possível (ainda que improvável) frio de nossas emoções.

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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