Fofoca intelectual

domingo, 21 de junho de 2015

Esta semana saiu a notícia sobre a liberação do acesso à carta proibida de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, que se encontra no acervo da Casa de Rui Barbosa. O sigilo se daria por seu conteúdo íntimo, que abordaria a sexualidade de Mário. 

Fico pensando o que ele diria se soubesse que o interesse por sua carta é menos pela curiosidade de saber sobre o que dois grandes escritores conversavam, se debatiam sobre a arte de seu tempo, se exploravam seus processos criativos, do que pela vontade de saber quem estava comendo quem e se alguém comia alguém ou não. O ser humano é ávido pelas fofocas mais chulas. Garanto que, de todas as cartas já escritas por Mário, de todas as cartas já recebidas por Manuel Bandeira, a mais procurada será esta, a de cunho sexual.

Há uns anos atrás, fui à exposição da Anita Malfatti no CCBB do Rio e lembro que, entre os maravilhosos quadros da artista, escreveram sobre sua relação com Mário, seu amor não correspondido. Tanta coisa para dizer sobre Anita,  sobre sua obra... Que importa se ela o amava ou não? Não seria mais interessante pensar em que isso afetou sua obra? Não seria mais relevante discutir a obra?

Não desprezo a biografia, não sou indiferente à inegável relação entre vida e obra. Apenas questiono a abordagem. Que diferença fará para a história da literatura brasileira saber se Mário de Andrade era homossexual ou não? Em que isso afetará nosso entendimento sobre sua obra?

E a Folha de São Paulo publicou o trecho da carta, na íntegra, expondo a todos o que o escritor tão delicadamente preservou e que seu amigo Manuel Bandeira quis respeitar. Acho isso tudo tão baixo, tão vil. Aqueles que se dizem tão intelectuais no fim das contas não diferem muito dos leitores da revista Caras.

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