Colunas
Para refletir: uma folha de jornal
Um almoço com a direção do Sesc de Uberlândia, após palestra para mil professores daquela cidade, colocou-me em contato com um brasileiro com inúmeros trabalhos mundo afora, inclusive em Moçambique.
Da conversa surgiu o fato e, dele, a reflexão que compartilho com vocês, leitores desta coluna.
Amigos deste professor brasileiro solicitaram que ele trouxesse um peixe de uma determinada barraca, quando estivesse à beira mar e em determinada cidade daquele país. Indicaram, inclusive, o nome do barraco e de seu proprietário. Tratava-se de comprar o peixe na barraca de um amigo. Minha primeira ideia focou a questão do prestígio. Compramos nas lojas e barracas dos amigos. Mas a questão era outra e o desenrolar da história nos reporta toda a colonização daquele país que convive com sérios problemas apesar dos quarenta anos que o separam da revolução de independência.
Com esforço, este brasileiro conseguiu identificar a barraca, seu proprietário e comprar o peixe. A alegria em saber sobre os amigos era enorme por parte do comerciante. Iniciou-se um verdadeiro ritual para embrulhar o peixe. O homem foi colocando folhas de jornal umas sobre as outras, formando um pacote desproporcional ao peixe comprado. Fino e comprido, depositou aquele pescado sobre as folhas e recomeçou o seu ritual empilhando mais e mais folhas. Por fim, embrulhou o peixe e o professor brasileiro muito curioso levou-o para seus amigos.
Lá chegando, outro ritual. Agora não se tratava de dividir o peixe, pois este era de quem o tinha comprado, mas de dividir as folhas do jornal.
Chegara àquela vila uma preciosidade que era usada para cobrir mesas, forrar prateleiras, cobrir pessoas com frio e, conforme a quantidade acumulada, até para improvisar um colchão sobre um estrado ou sobre o assoalho.
A vizinhança, ao saber da chegada do peixe, assomou àquela casa para receber um presente, inusitado para nós.
Quarenta anos do fim de uma colonização se passaram, sua força histórica, no entanto, está presente e sem perspectivas de transformação ou verdadeira libertação. Os vizinhos fazem fila para ganhar um presente: uma folha de jornal!
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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