Paraíso

domingo, 24 de maio de 2015

Tatiana Salem Levy é uma das mais influentes vozes da literatura brasileira contemporânea, incluída na lista de melhores jovens escritores brasileiros da revista Granta. Eu a acompanho desde seu primeiro livro, A chave de casa, vencedor do prêmio São Paulo de Literatura. 

Seu último livro, Paraíso, lançado pela editora Foz no final do ano passado, é bem diferente dos anteriores. Apesar de abordar temas “pesados”, como Aids, violência contra a mulher, holocausto e abuso infantil, a escrita de Paraíso consegue ser mais leve que a dos livros que o precederam. Como se a autora escrevesse com um maior distanciamento de seus personagens. Talvez por isso não tenha sido bem recebido pela crítica. Vejam que não atribuo juízo de valor a isso, apenas observo, como leitora que acompanhou sua trajetória literária. 

Não darei muitos detalhes da trama para não tirar o mistério, mas aqui vai uma breve sinopse: Ana é escritora e, após uma noite de sexo casual sem proteção, decide fazer um exame de HIV, já que seu parceiro afirma ser portador do vírus. Atormentada pela expectativa do resultado, Ana resolve se isolar no síto de uma amiga em Nogueira (distrito de Petrópolis – RJ) para continuar a escrever seu livro: um romance sobre uma escrava-feiticeira que se vinga de seus donos com uma maldição que atingiria todas as gerações de mulheres da família. Durante esse período de isolamento, a escritora é invadida por memórias de acontecimentos da infância e por acontecimentos do presente, ligados a uma empregada do sítio e a um misterioso artista plástico que também se isolou ali. 

O que mais me intrigou durante a leitura de Paraíso foi a história que Ana tenta escrever sobre a escrava-feiticeira. Fiquei o tempo todo imaginando como seria o desenrolar daquilo, querendo na verdade ler o livro que a personagem de um livro escreveu. Não é novo este artifício, o de uma história dentro da história, na verdade vem desde “As mil e uma noites”, mas, assim como o rei, daria mil e uma noites para saber o desenrolar dessa história. 

O texto é fragmentado, ora indo ao passado, ora ao presente e ainda para a história que Ana escreve. No entanto, essa fragmentação é feita com cuidado, a transição entre os espaços temporais é fluida, não é agressiva ao leitor. A narrativa da autora é, como sempre, envolvente, como se cada frase fosse pensada. A atmosfera nebulosa e insegura que permeia o texto não se deve a um descuido da autora, mas sim à personagem principal: Ana está insegura, confusa, com medo, daí a atmosfera nebulosa. 

Quando se trata de Tatiana Salem Levy, nada é gratuito e aleatório, ao contrário, sua narrativa parece ser muito pensada e trabalhada.

Ao final do livro, a autora se entrega à possibilidade da autoficção, é como se não pudesse resistir. Ana resolve escrever sobre a escrava e sobre o tempo em Nogueira. Exatamente como Tatiana faz. E ao leitor resta a dúvida: será o livro uma autoficção? Terá Tatiana tentado escrever sobre uma escrava e, em vez disso, escrito sobre seu processo criativo e sua vida em Nogueira? 

Leia Paraíso e tente descobrir. 

 

Paraíso
Tatiana Salem Levy
Editora Foz (176 págs., R$37,90)

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