Perícia médica sob crivo do Jornal Nacional

terça-feira, 19 de maio de 2015

A chamada bombástica para o Jornal Nacional de quinta-feira, 14, dizendo que médicos peritos do INSS não examinavam os segurados ao decidir pela alta, abertura de benefício ou aposentadoria, deu a sensação de muita lenha para pouco fogo. Um jornal televisivo que já foi líder de audiência e o informativo a ser copiado pelas outras emissoras me deu a impressão de estar se valendo de qualquer coisa para recuperar o espaço perdido.

Fui perito da Previdência Social durante 15 anos, na agência de Nova Friburgo, portanto tenho autoridade suficiente para saber quando uma matéria sobre o assunto é sensacionalista ou visa contribuir para melhorar o serviço prestado. E esta de quinta-feira é sensacionalista. Primeiro porque a agência retratada é de uma cidade pouco conhecida do estado de Goiás, quando deveria ter sido escolhida uma cidade mais representativa. Segundo porque é muito fácil falar sem conhecer a fundo as mazelas do serviço público.

A Perícia Médica de Friburgo, por exemplo, passou por pelo menos duas reformas, sem que nenhum médico fosse consultado sobre as obras, numa atividade que envolve o ato médico. Conclusão: numa delas os consultórios não tinham pia para que o médico procedesse ao mínimo exigido para uma boa higiene — lavar as mãos antes e após um exame —; além disso, só tinham a porta de entrada, sem nenhuma área de escape. Isso parece brincadeira, mas numa atividade em que agressões não são incomuns, principalmente quando o segurado recebe alta após muito tempo de benefício, torna-se uma necessidade. Diga-se de passagem, é um absurdo o próprio médico, logo após o ato pericial, dar o resultado do exame ao segurado. Foi obra de um energúmeno administrativo, pois tal disparate não encontra similar em nenhum outro ato pericial. Para quem não sabe, os seguranças de uma agência estão lá para zelar única e exclusivamente pelo patrimônio, não pela integridade dos funcionários.

A perícia médica não é uma consulta ambulatorial, para isso existe o clínico ou os especialistas, tanto que o perito não solicita exames nem receita medicamentos. Na perícia inicial ele deve se inteirar do motivo que levou o segurado a pedir um benefício, ou seja, fazer uma boa anamnese, analisar os exames trazidos e proceder a um exame físico, se julgar necessário. No caso de dúvida lhe é reservado o direito de interromper o ato pericial e solicitar que lhe seja trazido exames mais esclarecedores, para aí sim emitir o laudo médico-pericial.

Com relação ao explicado pelo perito, durante a reportagem, de que o segurado seria encaminhado ao setor de recuperação profissional, sua conduta foi corretíssima, pois existem situações em que há incapacidade laborativa para uma atividade, mas não para outra. É o caso de um motorista profissional que fique cego de um olho; pelo código nacional de trânsito, ele perde a carteira de habilitação profissional, sendo lhe vedado continuar na profissão. No entanto, está apto para outras atividades que não exijam visão binocular. É verdade que tivemos um amputado do quinto dedo da mão esquerda, cuja aposentadoria parece ter sido por invalidez, mas isso já é outra história.

Na matéria exibida, foi dito que o segurado que se julgasse prejudicado poderia solicitar outro exame médico pericial. O que não foi dito é a inconsequência dos dirigentes do INSS que permitem quantos reexames forem necessários, inclusive no mesmo horário, se houver vaga. É o mesmo que passar um atestado de incompetência ao médico perito. Já pensaram se a moda pega nos tribunais?

Não é a primeira vez que o Jornal Nacional se vale de assuntos médicos para fazer alarde e aumentar audiência. No entanto, como reza o código de ética do jornalista, as notícias têm de ser isentas e muito bem apuradas, antes de serem veiculadas não importa por qual mídia.

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Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

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