Visita a Nova Friburgo

terça-feira, 12 de maio de 2015

"Mas Nova Friburgo é mocinha que nem chegou aos 200 anos e as jovens nessa idade não são dadas a ouvir conselhos"

No alto da serra, contemplamos a natureza que faz uma festa verde para os olhos. Os morros nos agasalham numa sensação de segurança, de estar em casa e protegido. Ao longo da estrada, as casas  expõem sua ascendência europeia. Casas bonitas, onde a felicidade parece ser inevitável (mas é apenas razoavelmente possível). Mais abaixo, outras casas, casas humildes, brasileiríssimas. A serra, como qualquer lugar do mundo, tem altos e baixos.

No centro, o coração da cidade bate afobado. Pessoas se movem em todas direções, que nas cidades menores também se pratica esse esporte suicida que se chama Ganhar a Vida, cujo  placar final é sempre o mesmo. Algum mendigo estaciona em frente aos bancos, onde o dinheiro entra e sai pelas portas giratórias, como um sangue envenenado e essencial à vida. 

Do alto da Matriz, Cristo abre os braços, sinos tocam as horas e as pessoas tocam em frente. As badaladas nos fazem perceber, enfim, uma utilidade nas igrejas: informar que estamos atrasados. Desocupados de espécies várias aproveitam o sol matinal e aquecem suas manhãs de pressa nenhuma. Senhoras passam, senhores jogam damas. Colegiais se dirigem para as escolas, com pressa de não chegar.

O Bengalas sereno desliza, mas resmungando baixinho contra os que  insistem em envenená-lo com lixo, sacolas e pneus, esquecidos das vezes em que o rio se embriagou de tanta água e sujeira, transbordou, invadiu casas e devolveu em mortes as muitas mortes que lhe haviam causado. Homens e mulheres entopem os ônibus e se espalham pelos bairros, onde serão transformados em soutiens, calcinhas, cadeados e maçanetas.

Estamos em Nova Friburgo, cidade prestes a envelhecer. Os historiadores nem sempre concordam, mas, queiram ou não, no dia 16 de maio a cidade ficará oficialmente mais velha, porque o tempo passa sem nos pedir licença. À nossa revelia, os segundos vão pingando e já são minutos, horas, dias, uma vida inteira que passou. A cidade envelhece, e nós também. Tudo passa. Só o passado permanece em nós.

Passou Dona Leopoldina, velha dama apressada, soltando fumaça, bufando, cansada de tanta serra. O último trem virou a última esquina e desfez-se no meio de sua própria fumaça. Acabaram-se os burros que ficavam pensativos à porta da Farmácia Braune, enquanto esperavam seus donos, que iam se consultar com o boticário. Vieram os carros, os caminhões, as motos e a coisa ficou como todo mundo sabe: vaga só pagando estacionamento, ou na garagem de sua própria casa.

A cidade mudou e muda. Para melhor? Para pior? Talvez fosse bom dizer-lhe: olha, fica quieta, não te assanhes, não te metas à cidade grande, porque tuas irmãs maiores não fazem senão chorar suas próprias desgraças. Mas Nova Friburgo é mocinha que nem chegou aos 200 anos e as jovens nessa idade não são dadas a ouvir conselhos. Não há por  que impedir que ela cresça, mas será bom se continuar crescendo como donzela recatada, feliz por saber-se amada assim como é.

Estamos em Nova Friburgo, e o sol vai se dobrando sobre as montanhas. Aos poucos o dia se esgota, a noite desce e toma conta do mundo. São em geral tranquilas as noites friburguenses. Uma noiva desiludida quer voar de um edifício, mas os bombeiros vão lá e a impedem de tal façanha. A polícia percorre as madrugadas e faz alguns disparos, mas em geral os cidadãos têm o bom senso de se desviar. Mulheres mais ou menos sérias param nas esquinas de pouca luz, amantes pobres se abraçam em lugares obscuros, amantes remediados estacionam nos motéis, amantes ricos dão festas em suas residências iluminadas. 

No mais, os bares continuam vertendo álcool em copos sedentos, dos hospitais escapam os primeiros  gemidos da vida que começa e os últimos gemidos da vida que chega ao fim. As casas estão trancadas e mudas. A Suíça Brasileira descansa de mais um dia, como qualquer cidade do mundo, Nova York,Tóquio ou Pirapora. Amanhã tudo e todos despertam, menos cansados, mas também — vingança da natureza — menos jovens.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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